25 de julho de 2013
Sara Nossa Ignorância
Sara Nossa Ignorância
As trapalhadas do bispo Robson Rodovalho
Dr.
Luciano Garrido
Em recente vídeo
publicado no Youtube, o bispo Rodovalho, líder da igreja evangélica Sara Nossa
Terra, resolveu opinar sobre um assunto que ignora solenemente. Suas
declarações, de tão confusas e contraditórias, fizeram o desfavor de tornar
ainda mais obscuro o que já andava imerso num mar de incompreensão. Estamos
falando do polêmico PDC 234/2011, aquele Projeto de Decreto Legislativo de
autoria do deputado João Campos que visava sustar trechos abusivos de uma
resolução editada pelo Conselho Federal de Psicologia.
Bispo Robson Rodovalho |
O
que faz o bispo Rodovalho diante desse golpe rasteiro da militância gay? De
maneira inacreditável, o líder evangélico vem a público culpar o projeto por
uma campanha difamatória da qual ele foi, para todos os efeitos, apenas a
vítima. Rodovalho confessa candidamente que desconhece os méritos ou deméritos
do projeto, mas isso não o impede de, mesmo assim, considerá-lo infeliz.
Como
se não bastasse o rótulo infame que lhe fora injustamente aplicado pela
imprensa marrom, o pastor mergulha o projeto nas águas turvas de sua própria
ignorância e o batiza com um rótulo não menos injurioso — “PL da intolerância”,
disse Rodovalho, mandando às favas o Oitavo Mandamento.
A inépcia do bispo para discorrer
sobre o tema do homossexualismo é patente. Logo de saída, ele erra feio ao
dizer que a homossexualidade é definida por “todos os psicólogos, todas as
pesquisas, todas as universidades” (!!) como uma questão de escolha ou opção do
indivíduo, quando na verdade a quase totalidade dos profissionais da saúde a
entende como uma “orientação sexual”, ou seja, algo que decorre essencialmente
de uma atração, desejo ou impulso sexual de caráter involuntário.
É claro que
sempre pode haver liberdade de escolha em relação ao ato sexual em si, na
medida em que o indivíduo pode abster-se de praticá-lo se assim decidir; mas a
homossexualidade tomada unicamente pelo seu aspecto comportamental não é a
forma pela qual os estudiosos do comportamento humano em geral a concebem. Para
estes, um homossexual será sempre um homossexual, ainda que se abstenha de
relações sexuais.
Estou propenso a concordar com o
bispo quando afirma que o homossexualismo não é uma doença, mas isso está longe
de ser um consenso entre os profissionais da saúde — como ele tão convictamente
afirmou. Entre os que acham que o homossexualismo deve ser encarado como um
comportamento patológico e aqueles que o entendem como mais uma manifestação
possível da sexualidade humana — algo normal, portanto — existem outros que
consideram a tendência homossexual como sintoma de uma desordem no
desenvolvimento psicossexual e afetivo do indivíduo. Ou seja, o comportamento
em si mesmo não seria uma patologia (conceito que, aliás, é polissêmico), mas
um indício de prováveis desajustes na formação da subjetividade.
Mas, deixemos de lado as
trapalhadas do bispo Rodovalho e aproveitemos a oportunidade para esclarecer
alguns pontos polêmicos do projeto em discussão. Para quem não se recorda, um
dos dispositivos que o PDC 234 pretendia sustar na resolução 01/99 do CFP era o
parágrafo único do artigo 3º. Lá está dito que “os psicólogos não colaborarão
com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”.
Em primeiro lugar, temos aqui uma
dificuldade de ordem semântica. O que CFP entende por tratamento, afinal? Tudo
o que se faz em psicologia clínica deve ser chamado de tratamento? Se uma
pessoa solicita ajuda a um psicólogo porque se considera muito tímida, por
exemplo, o serviço prestado por esse psicólogo deve ser considerado tratamento?
Sendo tratamento, isso implica em dizer que a timidez é uma doença? Pois bem. Antes
de impedir o psicólogo de propor tratamento a um homossexual, o CFP precisa
definir com um mínimo de clareza qual acepção se aplica ao termo utilizado no
texto normativo.
Em relação à palavra cura, é
preciso lembrar que o código de ética da profissão já dá conta de que a nenhum
psicólogo é permitido prometer cura ao cliente, independente da queixa que o
encaminhou ao consultório. O sucesso do tratamento psicoterápico depende de
inúmeros fatores, muitos dos quais não sujeitos ao controle do profissional, de
modo que qualquer promessa de cura deve ser encarada como uma forma de
charlatanismo.
Se não se pode propor cura da homossexualidade (até porque não é
uma doença), tampouco se pode fazê-lo em relação a qualquer outra queixa que se
apresente ao psicólogo, por mais banal que pareça a primeira vista. Quem propõe
cura é curandeiro. O psicólogo, como regra, costumar a pautar seu trabalho pela
noção de bem-estar.
Quanto ao artigo 4º da resolução,
trata-se de uma injunção absolutamente despropositada. Se entender as práticas
homoeróticas como subprodutos de uma desordem psíquica for reforçar “preconceitos
sociais”, doravante os psicólogos se verão melindrados para realizar qualquer
tipo de psicodiagnóstico, ou mesmo para traçar um simples perfil psicológico que
descreva características pessoais que se julguem depreciativas ou
desfavoráveis.
Seguindo a risca a lógica defeituosa do CFP, chegamos à
conclusão de que todo diagnóstico está passível de gerar suscetibilidades ou,
sei lá, despertar preconceitos contra a pessoa do diagnosticado — o que não
seria, de resto, privilégio de um grupo de indivíduos que sente atração pelo
mesmo sexo.
Que não se fale mais em depressão,
esquizofrenia, ansiedade, anorexia, dislexia, obesidade, fobia, pânico,
obsessão, etc., até que o Código Internacional de Doenças (CID) seja
definitivamente descartado como um imenso catálogo de estigmas sociais. Qual
portador de transtorno, distúrbio ou desordem psíquica merece ser objeto de
“preconceito”? Quando se pauta o estudo das psicopatologias por critérios
políticos, não há limites para reivindicações de ordem subjetiva.
A continuar essa obsessão normativa
do Conselho Federal de Psicologia, em breve ao psicólogo será reservado apenas
o direito de permanecer calado, pois tudo o que disser poderá ser usado contra
ele no tribunal das ideologias politicamente corretas. Ao invés de desencorajar
os preconceitos sociais lembrando aos leigos que entre saúde e doença existe um
continuum (Breslow, 1999) e que as psicopatologias, em maior ou menor grau,
fazem parte da nossa vida cotidiana (Freud, 1901), o CFP prefere forjar novos
tabus e reabilitar velhas mistificações, na contramão do debate científico. É
de se lamentar...
Fonte:
www.juliosevero.com
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