Análise de Um Caso de Homossexualidade Feminina por Freud.
Considerações acerca da perversão no texto "Psicogênese de um caso de homossexualidade feminina", de Sigmund Freud (1920)
(Redirected from Psicogênese de um caso de homossexualidade feminina)
A perversão é um tema que nos toma no sentido da dúvida entre o que
pode ser doença, desvio da conduta dita normal, e o que pode ser parte
da formação constituinte da sexualidade humana. Freud inicia sua teoria a
respeito da perversão nos ensaios sobre a teoria da sexualidade, de
1905.
Nesse texto, ele aborda a perversão como decorrente de uma demora
em uma fase do processo de subjetivação. Ou seja, a permanência durante
a vida adulta de estados da pulsão parciais – de característica
perversa -, típicos da sexualidade infantil, a qual ele denomina
pré-genital. Assim, toda prática sexual que não tenha como objetivo
claro a satisfação genital comum na vida adulta, teria relação com uma
prática perversa fixada na sexualidade infantil.
Em 1920, Freud escreveu “A psicogênese de um caso de homossexualidade feminina”, no qual ele traça algumas questões a respeito do reconhecimento da diferença sexual e da escolha objetal posterior.
Pretendo fazer uma ponte entre ele e os textos que tratam de
uma defesa característica perversa.
Começo, então contando um pouco do
caso analisado por Freud. A jovem com tendências homossexuais tinha um
pai bastante sério e um pouco afastado dos filhos pela sua conduta
rígida. Esse pai era profundamente influenciado pela esposa, mãe da
jovem, a qual aparece como uma mulher bonita e atraente.
Quando o pai
soube das tendências homossexuais da filha, se enfureceu e passou a
ameaçar a filha, considerando-a perturbada. A mãe, no entanto, era
confidente dos sentimentos da filha, apesar de condenar a reputação que a
filha poderia adquirir.
Essa mãe tratava a filha com bastante aspereza
e, por outro lado, tinha um notável cuidado com os filhos homens.
Durante a análise, a qual a jovem se submeteu por insistência dos pais,
Freud chegou a conclusão de que o interesse homossexual da jovem por uma
dama “coquete” não a tinha levado a uma relação sexual com esta, apenas
tendo beijos e abraços como satisfação.
Para Freud, a jovem passou, na infância pela atitude normal do Complexo de Édipo, inclusive tendo substituído o pai por um irmão mais velho, posteriormente. Quando houve a comparação entre os órgãos genitais do irmão e os seus, que fez pelo início do período de latência (aos cinco anos de idade ou, talvez, um pouco antes), a jovem sentiu uma forte impressão, que a marca até hoje.
Durante a pré-puberdade, a jovem
familiarizou-se com as questões do sexo e as sentia como aversivas. O
que para Freud aparece como significativo é que, aos treze anos de
idade, a jovem se afeiçoou muito por um menino de três anos, o qual ela
visitava com freqüência. Nesse tempo, é possível que a jovem tivesse
possuída por um desejo forte de ser mãe, para assim se “igualar” à
posição fálica em que via a mãe e o irmão mais velho (no tempo que viu
seu órgão sexual).
Entretanto, depois de um tempo, ela se desligou
totalmente do menino e passou a se interessar por jovens mulheres. A
causalidade disto estaria, para Freud, em uma gravidez da mãe, quando a
paciente estava com dezesseis anos. Posteriormente, Freud chega a
conclusão de que as mulheres alvo do interesse da jovem paciente eram
substitutas de sua mãe.
Freud também traz que a mãe da jovem a via como uma competidora iminente. Ela favorecia os filhos homens e a mantinha, a quanto possível, afastada do contato com o pai. E no momento em que a jovem passa pela reelaboração do Complexo de Édipo, o seu desejo de ser mãe de um bebê de seu pai é frustrado, uma vez que não é ela quem engravida. A sua inconsciente rival, a mãe, é quem engravida. O que se passa então, é que a amargura e o ressentimento com o pai e conseqüentemente com os homens tomam conta de sua feminilidade e a jovem acaba por ceder aos caprichos da mãe.
Sai do jogo de força e cede seu pai e todos os outros
homens ao desfrute da mãe, direcionando sua libido a outro objeto de
amor. Além disso, com esta atitude, talvez a jovem recuperasse o amor
materno, visto que a questão da mãe era ver a filha como uma
competidora. A filha, então, deixando o amor dos homens para a mãe,
devolveria a paz para sua rival, resolvendo o Complexo de Édipo de uma
forma inversa.
É também curioso que a escolha da jovem tenha enfurecido tanto ao pai. Ao ser punida por sua atitude pelo pai, a jovem viu que o estava ferindo com esta atitude, sendo essa uma vingança contra a rejeição que sofrera por parte do pai.
É também curioso que a escolha da jovem tenha enfurecido tanto ao pai. Ao ser punida por sua atitude pelo pai, a jovem viu que o estava ferindo com esta atitude, sendo essa uma vingança contra a rejeição que sofrera por parte do pai.
“No relato da jovem, de seus motivos conscientes, o pai não figurou em absoluto; sequer foi mencionado o temor de sua ira. Nos motivos desnudados pela análise, por outro lado, ele desempenhava o papel principal. Sua relação com o pai teve a mesma importância decisiva para o curso e o resultado do tratamento analítico, ou antes, exploração analítica. Por trás de sua pretensa consideração pelos genitores, por amor dos quais dispusera-se a efetuar as tentativas de transformação, jazia escondida sua atitude de desafio e vingança contra o pai, atitude que a fizera aferrar-se ao homossexualismo. Protegida sob essa cobertura, a resistência liberou à investigação analítica uma considerável região. A análise prosseguiu quase sem sinais de resistência, a paciente participando ativamente com o seu intelecto, embora emocionalmente bastante tranqüila”, Freud (1927).
Além disso, Freud coloca que o homossexualismo da jovem já estava marcado desde tenra idade. Essa direção da libido adulta está associada diretamente a uma fixação infantil na mãe. A jovem desenvolvera uma acentuada inveja do pênis do seu irmão e não aceitava que fossem considerados valores diferentes para lhe atribuir. Era como se fosse uma feminista, que julgava injusta a falta de liberdade feminina e rebelava-se contra a sorte das mulheres. Freud também diz que parecia absurda para a jovem a idéia de engravidar naquele tempo, com a idéia de que lhe prejudicaria a boa aparência. O autor coloca que o narcisismo em jogo e outras pistas indicariam que ela teria tendências exibicionistas e escopofílicas. Finalmente, Freud conclui a fixação materna como efeito da negligência e rivalidade dessa mãe, associada à angústia na comparação de seus órgãos genitais com os do irmão.
Parece claro que, como decorrência do texto sobre a homossexualidade feminina, Freud tenha desenvolvido, alguns anos depois o texto de 1927, “O fetichismo”. Neste artigo, Freud traz, pela primeira vez, a recusa como sendo a defesa utilizada contra a angústia da castração pelo perverso. Desta maneira, Freud fala de uma reação dupla (reconhecimento e repúdio) diante da castração da figura materna e da recusa a aceitar a distinção entre os sexos. Pode-se ver esta reação na jovem homossexual no momento da sua percepção acerca das diferenças sexuais entre ela e o irmão e posteriormente na luta contra a diferença sexual na sociedade.
Porém a situação da jovem está para além da diferença sexual como unicamente genital, mas para o fato da mãe não se assumir castrada perante a filha, sendo o poder encarnado na casa, visto que o pai da moça cedia à lei materna. Para isso, pode-se dizer que a questão remete à castração materna também. O perverso consegue simbolizar a castração, mas a desmente. A frase conhecida a respeito desta defesa é a de que “sei que existe, mas não quero saber nada disso”.
Recusando a castração do outro, o perverso então, nega a própria existência do outro como ser subjetivado pela castração. A recusa, entretanto, não anula a percepção da diferença sexual. É uma clivagem, uma ação enérgica para abandonar e conservar, ao mesmo tempo, uma crença a respeito dessa percepção.
Na Conferência XXI (1915-1917), Freud atenta para a difícil tarefa de desvendar a sexualidade humana. Nesse sentido, a condenação da perversão sexual denuncia uma incapacidade, por parte do neurótico, de ver a fantasia que ele reprimiu em ato. Freud coloca também que os atos sexuais dos pervertidos produzem também descargas genitais e orgasmo, embora as utilizações de objetos e de ênfase a algumas partes do corpo caracterizem o fetiche e a fixação em etapas infantis.
E que os traços perversos quase sempre estão presentes na relação normal como as preliminares do sexo em neuróticos. E o que define a perversão é a exclusividade com que se efetuam os desvios sem finalidade reprodutiva.
Mario Fleig, em seu livro “O desejo perverso” (2008), coloca que a tese Lacaniana de que não existe uma proporção exata entre os sexos e que, assim, não pode haver complementaridade entre eles diz de uma falha no gozo que poderia ser absoluto. Pode-se pensar, então, que sempre há a necessidade de querer algo a mais, desejo de outra coisa. Esse desejo de outra coisa pode então vir na ordem de uma tentativa outra a respeito do sexual.
Pois assim, vai-se em busca de algo que sempre se perde, o que já determina a formação pervertida do desejo, que sempre é desejo de outra coisa. É dessa doença que sofre todo o ser forjado na linguagem, da inadequação constante, em todos os níveis, e que nada pode aplacar.
Nesse sentido, penso que o amor homossexual pode se aproximar de um desejo perverso se pensarmos numa tentativa de um gozo outro que não é encontrado no ato sexual em si. Como o perverso recusa a falta, não admite que esse desejo de outra coisa fique à espera...Na dificuldade que a jovem homossexual atendida por Freud tinha de aceitar sua posição feminina no laço social, ela foi convocada por sua subjetividade a sentir um amor no qual ela aparece como superior ao homem ( ao pai...ao irmão mais velho...), como aquela que saberia fazer gozar a uma mulher, o que denunciaria a insuficiência do fálico. Esse amor homossexual da mulher dá um tom divino às mulheres.
E também, na sociedade da época se
aproximaria do que Freud fala no texto “O fetichismo”, que o objeto de
fetiche é para o perverso um substituto do pênis materno, tendo como
função também dizer de um gozo que só ele conhece, já que o objeto
geralmente não é excitante para as outras pessoas. Por essa via, podemos
entender o amor da jovem homossexual como perverso, também num sentido
de dizer ao pai, e até à mãe, que ela conhece um tipo de gozo ao qual
eles não terão acesso.
Essa perversão não é de ordem moral, é da ordem
do desafio à lei, do desafio ao imperativo fálico. É sobre o saber que o
perverso supõe ter sobre o gozo que teria sido perdido com a castração –
caso ela tivesse sido aceita. Esse gozo é substituído pela promessa de
um gozo sem falhas, mas essas já são teorias posteriores a Freud, quando
a perversão deixa de ter caráter unicamente sexual e passa a ser
considerada mediante ao discurso sobre o gozo.
Referências
FLEIG. M. (2008). O Desejo Perverso. Porto Alegre. Editora: CMC, 2008.
FREUD, S. (1927a) O Fetichismo. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. (1917 [1916-1917]b) Conferências introdutórias sobre psicanálise, parte III, Teoria geral das neuroses: conferência XXI – O desenvolvimento da libido e as organizações sexuais. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XVI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. (1920a) Psicogênese de um caso de homossexualismo em uma mulher. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
Nome: Taíse Mallet Otero
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