7 de novembro de 2014
A coragem de um ator; a covardia de um pastor
A coragem de um ator; a covardia de um pastor
Thiago Cortês
O bom
e velho Christopher Hitchens já advertia os encrenqueiros de plantão: para
desafiar o consenso você deve estar disposto a ser chato. Muito chato mesmo.
É
preciso desenvolver a capacidade de voltar, sempre que necessário, aos temas e
personagens já repisados sempre que necessário. Em um esforço supra-humano,
volto a falar em Ariovaldo Ramos e tudo aquilo que os leitores do Gospel Prime
talvez já estejam cansados de ler sobre ele.
Volto
ao tema porque a comparação que apresento aqui talvez seja esclarecedora. Todos
estão cansados de saber do apoio de Ariovaldo ao chavismo. Vocês já leram aqui
que o pastor brasileiro foi à Venezuela para, pessoalmente, oferecer seu apoio
ao ditador Hugo Chávez.
Recentemente
o sucessor de Chávez, o também ditador Nicolás Maduro, iniciou uma forte
repressão a todos os cidadãos venezuelanos que discordam do seu governo.
Centenas foram presos, dezenas foram mortos e outros tantos permanecem
desaparecidos.
Como
vocês já estão fartos de saber, Ariovaldo Ramos emudeceu diante do
caos venezuelano. Fosse lá um direitista no poder tenho certeza de que o
bondoso pastor estaria neste momento divulgando abaixo-assinados, escrevendo
cartas e artigos em protesto.
Felizmente
nem todas as figuras públicas são guiadas exclusivamente por paixões
ideológicas. De vez em quando somos surpreendidos pela honestidade intelectual
e a integridade moral de alguém é capaz de colocar a verdade acima das suas
próprias preferências.
O
ator Kevin Spacey, duas vezes vencedor do Oscar, é conhecido
em Hollywood por suas posturas políticas de esquerda. Tal como Ariovaldo
Ramos, Spacey entende que a igualdade social é o valor máximo em política.
Da
mesma forma que Ariovaldo Ramos, o famoso ator usa o reconhecimento público que
conquistou para apoiar causas e ideias típicas da esquerda socialista.
E,
assim como Ariovaldo, Kevin
Spacey já esteve na Venezuela para prestar tributo a Hugo Chávez. Na
ocasião, ele esteve acompanhado de Sean Penn e Danny Glover, outros
esquerdistas famosos que costumam louvar Fidel Castro e Che Guevara.
Mas
aqui se encerram as comparações entre o pastor e o ator.
Porque,
ao contrário de Ariovaldo, Kevin Spacey teve a coragem de repensar seu apoio ao
regime venezuelano tão logo surgiram evidências de abusos contra os
manifestantes.
Quando
soube dos estudantes presos e dos manifestantes assassinados pelo ditador
Nicolás Maduro, Kevin Spacey se sentiu compelido a retirar publicamente seu
apoio ao regime – Freud dizia que a voz da Razão é baixa, mas persistente.
Em
uma carta
aberta dirigida ao povo venezuelano, o ator de Hollywood condenou a
violência das forças policiais do País e manifestou sua solidariedade a todos
que estão nas ruas de Caracas e no resto da Venezuela lutando por sua
liberdade:
Os
manifestantes, em sua maioria estudantes, se levantaram para lutar por
liberdades humanas básicas, e o fazem usando o seu direito de protestar, que é
um direito sagrado em qualquer lugar, não importa se você vive em Boston,
Belarus, ou Venezuela. O governo da Venezuela, no entanto, optou por responder
a estes protestos pacíficos com repressão pesada.
O
famoso ator expressou seu “apoio a todos os venezuelanos que pacificamente e
sem violência” reivindicam seus direitos e lhes pediu que “não se deem por
vencidos nem fiquem insensíveis às violações e aos abusos cometidos contra
eles”.
Em um
trecho que parece ter sido escrito diretamente para Ariovaldo Ramos, Spacey
diz:
Os
que têm a sorte de viver em liberdade devem se levantar diante da opressão e da
injustiça e lembrar ao povo da Venezuela que ele está do lado certo da
história.
O
pastor Ariovaldo não se levantou para denunciar a opressão que se abate contra
o povo venezuelano – mesmo com tantas notícias sobre cristãos acuados pelo
regime chavista.
Kevin
Spacey fez mais pelos cristãos da Venezuela do que o pastor brasileiro. Isso
porque o ator aceitou o embaraço de corrigir sua percepção diante dos fatos,
algo que Ariovaldo parece nunca estar disposto a fazer: ele parece preferir se
guiar pelas paixões ideológicas.
Na
verdade, não há embaraço algum. É um gesto nobre e distinto.
Não
se enganem: foi extremamente difícil para o ator famoso milionário rever sua
postura: Hollywood representa a maior concentração de esquerdistas da América.
Lá você pode perder seu trabalho se parecer conservador demais. Aliás, mesmo
grandes cineastas sequer foram indicados ao Oscar por desafiar os dogmas da
esquerda – já
aconteceu com Clint Eastwood.
Imagino
que o radical Sean Pean deve ter se magoado com o amigo. “Ele não é mais um dos
nossos”, deve ter pensado. Não tenho dúvidas de que Spacey vai perder algumas
oportunidades e muita grana por causa de sua postura crítica diante do ídolos
ditadores dos amigos.
Mas
ele fez a coisa certa. E isso lhe basta. Fiat Justitia Pereat Mundus. O antigo
ditado latino aconselha: “Faça a justiça, ainda que o mundo pereça”.
Ariovaldo
não tem sido justo a respeito da Venezuela. Ele certamente teme a reação de
seus camaradas, especialmente Gilberto Carvalho – conhecido por sua hostilidade
ao livre-pensamento e o pluralismo ideológico que ainda resiste na imprensa.
É uma
pena. Dizer a verdade deveria ser a primeiro dever moral de todo cristão.
George
Orwell, que era de esquerda, mas radicalmente independente, sentia repugnância
diante dos intelectuais orgânicos de sua época, porque eles eram incapazes de
considerar os fatos e aceitar a verdade, mesmo que ela fosse bastante
desagradável.
Certa
vez, o jornalista britânico lapidou: “A principal responsabilidade de um
intelectual reside em dizer o que as pessoas não querem ouvir”.
Kevin
Spacey fez isso. Ele lembrou ao regime chavista, hoje comandado por Maduro, que
mesmo que sua ideologia seja supostamente bela e nobre, existem direitos e
valores que se sobrepõem a qualquer ideologia. E há obrigações que todo governo
deve acatar:
A
Anistia Internacional declarou que as acusações contra o oposicionista Lopez
são ‘tentativas de silenciar a dissidência’. A Human Rights Watch diz que “o
governo venezuelano tem abraçado abertamente as táticas clássicas de um regime
autoritário: prender os seus opositores, amordaçar os meios de comunicação e
intimidar a sociedade civil”
Quando
se trata de criticar a Política Militar de São Paulo, Ariovaldo Ramos
lembra da obrigação dos governantes respeitarem os direitos humanos. Quando se
trata da Venezuela, contudo, Ariovaldo coloca esse discurso na gaveta. Pesos e
Medidas.
Spacey
não sofre dessa bipolaridade moral. Em nome da verdade, por solidariedade a
pessoas de carne e osso lutando por liberdade em Caracas, Kevin Spacey lembrou
ao mundo:
Desde
o início da repressão do governo Maduro mais de 1.400 estudantes foram presos,
e houve mais de 40 casos confirmados de tortura. O próprio Leopoldo Lopez foi
preso, e ainda está sentado em uma prisão militar venezuelana.
Uma
das coisas mais interessantes a respeito do pastor Ariovaldo é o fato de que
ele sai por aí dando pontificadas a respeito de tudo, desde a Venezuela até a prisão de Sininho,
mas depois ignora qualquer chamada à responsabilidade pelo conteúdo do que diz.
Kevin
Spacey não abandonou seu esquerdismo. Ele apenas foi chamado à consciência
pelos fatos e adotou uma visão mais crítica de sua própria ideologia.
Fica
aqui o exemplo do ator para o pastor: verdade, justiça e solidariedade são
valores que estão acima das ideologias e preferências partidárias.
Fonte: GospelPrime
Divulgação: www.juliosevero.com
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