ADHT: o artigo nos fornece explicações sobre um tipo de delírio. É uma análise de comportamentos de grupos de pessoas que possuem “visões de mundo”. Deliciem-se. Reconhecerão este comportamento, quase com certeza, em algumas pessoas e grupos, entidades, políticos, etc, etc, etc.
NEOATEISMO, UM DELÍRIO
Trecho, íntegra aqui.
A interpretação delirante
Logo de primeira acabei conhecendo a interpretação delirante ao estudar a mentalidade revolucionária, portanto os créditos para ambos os conhecimentos vêm de Olavo de Carvalho, que tem teorizado a respeito desta última. O caso é que para que Olavo teorizasse a respeito da mentalidade revolucionária, ele precisou tratar também da síndrome que a origina, que é a interpretação delirante, que foi descrita originalmente pelo psiquiatra francês Paul Sérieux em 1909, no livro “Les Folies Raisonnantes. Le Délire d’Interprétation”.
É importante não confundir a interpretação delirante com a alucinação em si, pois vejam como Sérieux a descreve:
Enquanto em geral as psicoses demenciais sistematizadas repousam sobre perturbações sensoriais predominantes e quase permanentes, todos os casos que aqui reunimos são, quase que exclusivamente, baseados em interpretações delirantes; as alucinações, sempre episódicas quando existem, não desempenham neles papel quase nenhum [...] A ‘interpretação delirante’ é um raciocínio falso que tem por ponto de partida uma sensação real, um fato exato, o qual, em virtude de associações de idéias ligadas às tendências, à afetividade, assume, com a ajuda de induções e deduções erradas, uma significação pessoal para o doente… A interpretação delirante distingue-se da alucinação e da ilusão, que são perturbações sensoriais. Difere também da idéia delirante, concepção imaginária, inventada ponto por ponto, não deduzida de um fato observado.
Já nessa introdução, ficou claro que autor já exibe a distinção entre interpretação delirante da mera interpretação falsa, que seria o erro vulgar. Aqui estão as razões apontadas pelo autor:
- (1) “O erro é, no mais das vezes, retificável; a interpretação delirante, incorrigível.”
- (2) “O erro permanece isolado, circunscrito; a interpretação delirante tende à difusão, à irradiação, ela se associa a idéias análogas e se organiza em sistema.”
Vou dar alguns exemplos de como funciona o que foi abordado acima.
Imagine que você, ao andar pelo campo, de madrugada, encontre um lençol preso ao varal esvoaçante e o atribua a um um espírito ou fantasma. Isso é um exemplo básico de “erro” de percepção, ou até uma variante simplória da alucinação. Seja lá como for, se alguém demonstrar que o que havia ali era apenas um lençol, a pessoa então deverá descartar a hipótese de que ali havia um espírito, pois os fatos não comprovaram a teoria (do espírito).
Essa é a diferença fundamental para que possamos prosseguir. Não podemos confundir a interpretação delirante com alucinações e ilusões.
Da mesma forma, não podemos confundir a interpretação delirante com a idéia delirante. Um exemplo de idéia delirante seria a situação em que um sujeito começa a suspeitar de que seu sócio o estaria enganando, sem nenhum indício ou motivo para isso, e cria em sua mente uma história e até eventos que dessem uma explicação para o caso de fraude. Mas de onde ele tirou esse caso? Somente de sua mente. Isso é um caso de idéia delirante, mas não interpretação delirante.
Não se deve confundir também com a fantasia deliberada. Por exemplo, imaginemos um casal que tem uma fantasia sexual, na qual ele é um advogado que gosta de se vestir de marinheiro durante a relação sexual. Obviamente que ele e ela sabem que ele não é um marinheiro, mas esta é uma crença temporária aceita apenas por curtição. Após a relação sexual, o casal saberá que ele não era um marinheiro. Isto é uma fantasia, deliberada, e não uma interpretação delirante.
Vejamos então o que não é interpretação delirante:
- (a) Uma alucinação
- (b) Uma ilusão (no sentido de uma miragem)
- (c) Uma fantasia deliberada
- (d) Uma idéia completamente falsa criada a partir da pura imaginação.
Se então definimos o que NÃO É interpretação delirante, vamos então nos atentar ao que é.
Uma forma de explicar a interpretação delirante de um jeito mais simples pode ser: “A atitude formal de alguém que, ao identificar fatos que não se adequam às suas teorias, define que o problema está com os fatos, e não com a teoria”.
O termo “teoria” que uso aqui não é simplesmente na acepção de uma teoria científica, mas qualquer modelo explicativo que alguém faça para a realidade. Obviamente tal modelo pode ser adaptado de uma teoria científica (ou pseudo-científica), ou uma teoria qualquer, ou simplesmente uma explicação popular. O importante, para qualificar isso como interpretação delirante, é que esta pessoa, mesmo com informações para identificar que a sua teoria não é mais válida, prossiga distorcendo ou ignorando os fatos para continuar a aceitá-la. Enfim, a paixão pela idéia, explicação ou teoria é o que vale, e não os fatos. A não ser que os fatos comprovem a teoria. Nesse caso, o adepto da interpretação delirante, faz o aceite seletivo de fatos.
Um exemplo evidente disso é o comportamento dos petralhas em relação às denúncias do Mensalão. O petralha conhece os fatos que mostram que o Lula poderia ser até objeto de impeachment, mas ele ainda assim vilaniza aqueles que noticiam o mensalão, e até inocenta o Lula. Ou seja, para ele o que vale é a teoria de que o Lula é um mito, o representante do “povo”, portanto ausente de defeitos morais, e não os fatos. Enfim, interpretação delirante.
A coisa fica bem fácil de identificar, inclusive, na variação dos cristãos self-service que é o cristão manso. Um cristão manso diz que “sempre se deve dar a outra face”, e acredita nisso de forma literal e da forma mais ingênua possível. Logo, em algumas comunidades, nota-se este tipo de cristão (que, como já dito, não representa o cristianismo, mas apenas uma parte deles) acha linda a idéia de que “a mansidão” é uma das coisas mais belas a serem demonstradas. Aí tornam-se vulneráveis. Eis que você lança na frente dele alguns desafios, e ele se irrita, e revida. Ué, mas aí a mansidão não vale? Só vale em alguns momentos? É claro que em muitos casos eles até ignoram esse tipo de questionamento, pois isso são fatos que derrubam sua teoria. E, como já dito, para eles os fatos devem ser ignorados.
Claro que eu preciso tratar de exemplos de neo ateus, e nesse caso eu poderia escrever um livro somente com exemplos do delírio de interpretação que os acomete. Vamos, portanto, avaliar somente alguns.
Um neo ateu pode dizer que a ciência abrange toda a realidade. Obviamente, que basta você demonstrar a ele que isso não é verdade, e que temos já de cara como falsear essa alegação apenas com um dentre vários exemplos possíveis, no caso a metafísica. Mostramos a ele que as definições científicas não afirmam que a ciência abrange toda a realidade. Uma resposta dele pode ser: “ah, mas um dia talvez poderá”. Quer dizer, ele cria uma esperança na mente dele, e a divulga como se fosse fato, pois ele já está na fase de ignorar os fatos, pois o que importa para ele é a crença de que “ciência abrange toda a realidade”. Recentemente, neste blog, um comentarista neo ateu disse o seguinte: “A metafísica estuda outra realidade. Uma realidade maior.”. É claro que eu tive que lhe perguntar: “Seria então a realidade da ciência uma realidade menor?”. É claro que ele buscava truques linguísticos para que a sua crença de que “a ciência abrange toda a realidade” fosse mantida em sua mente. Mais um exemplo de que os fatos são ignorados em prol da idéia na qual ele acredita. E, lembrando da observação do Dr. Seriéux, é possível que expliquemos 100 a 200 vezes para ele a diferença entre “realidade observável e tangível” de “realidade em si” que ele continuará mantendo sua crença. Ela é, neste caso, mais um exemplo da interpretação delirante.
Outro exemplo é quando um neo ateu diz que a religião é a causa principal de genocídios ou coisas do tipo. Eis então que mostramos a ele os genocídios na Rússia e na China, que, em números, são praticamente os campeões da era moderna. Ele recebe a informação, mas diz que o ateísmo com certeza é inocente disso, e que, se os crimes ocorreram, foi em nome de qualquer outra coisa menos ateísmo. Mas como, se mostramos a ele que a base do discurso comunista era sustentada pelo discurso ateísta? É claro que o neo ateu ignorará o fato de que, assim como o teísmo, o ateísmo também foi usado por retóricos mal intencionados para cometer crimes. A teoria de que ele tem de que religião é causa PRINCIPAL de genocídios não funcionaria mais. O que ele pode fazer, então? Um truque de mágica que os vi cometendo é dizer que, se havia a luta contra a religião, e a negação da religião, então isso seria feito de maneira dedicada, e, portanto, seria um tipo de religião. Acreditem se quiser, já vi esse tipo de truque retórico várias vezes. Como se vê, ele ignora os fatos e acredita em qualquer maquiagem e edição de fatos que os gurus fornecem a ele. A idéia na qual ele crê é mantida, os fatos são ignorados. Mais uma vez: interpretação delirante.
O curioso de tudo isso é que ao debatermos com pessoas assim, não estamos trocando mais informação, pois a informação não importa para quem possui uma mente acometida de delírios de interpretação. Qualquer fato que você mostre, contradizendo as teorias na qual ele acredita, serão sumariamente ignorados ou distorcidos.
É por isso que, quando discuto com neo ateus, assumo o paradigma do desmascaramento e não da discussão no mesmo nível em que discutimos com um amigo receptivo. O importante passa a ser o público, pois este pode até considerar a informação. É obvio que se dentre o público existir alguém de mentalidade revolucionária, este poderá sumariamente ignorar qualquer informação que negue suas teorias.
Usando uma abordagem mais técnica, a interpretação delirante constitui uma entidade psicopatológica autônoma, uma psicose delirante crônica, sistematizada, de caráter não alucinatório (agradeço à fonte do siteAdversus Hæreses, que também listou os itens imediatamente abaixo citados). Ela é caracterizada por:
- 1) Multiplicidade e organização de interpretações delirantes
- 2) Ausência ou penúria de alucinações (contingentes)
- 3) Persistência da lucidez e da atividade psíquica
- 4) Evolução através da extensão progressiva das interpretações
- 5) Incurabilidade, sem demência terminal.
Se até agora é evidente que podemos identificar a interpretação delirante, não é difícil notar que grande parte do trabalho de alguém que refute as idéias do neo ateísmo poderia se basear em identificar se há erros, fraudes, distorções, falácias e estratégias erísticas em ocorrência no discurso de autores como Dawkins, Hitchens, Dennett e Harris, ou até nos textos de seus leitores (que podem segui-los letra por letra), identificar os fatos que mostram que o que existe neles é realmente só um delírio e depois disso expor ao público. Mas não expor a eles, pois os fatos para o doente já não tem nenhuma importância, a não ser os fatos que confirmem a idéia.
Se já sabemos então o que é uma interpretação delirante, precisamos a partir de agora entender a mentalidade revolucionária.
A mentalidade revolucionária, por Olavo de Carvalho
Para facilitar a compreensão do que abordaremos aqui, vamos a uma forma de identificar a mentalidade revolucionária.
Antes vimos que a interpretação delirante é a “crença em uma ou mais idéias que não são confirmadas pelos fatos, mas que são aceitas com tal fervor que todo e qualquer fato que negue a idéia será ignorado ou manipulado, de forma que a idéia continue sendo aceita pelo indivíduo”.
Vamos então a 3 elementos que, segundo Olavo de Carvalho, definem a mentalidade revolucionária. O primeiro seria a inversão da percepção de tempo. Segundo Olavo:
As pessoas normais consideram que o passado é algo imutável e que o futuro é algo de contingente ― “o passado está enterrado e o futuro a Deus pertence”, diz o senso-comum. A mente revolucionária não raciocina desta forma: para ela, o futuro utópico é um objectivo que será inexoravelmente atingido ― o futuro utópico é uma certeza; não pode ser mudado. Por outro lado, a mente revolucionária considera que o passado pode ser mudado (e ferozmente denunciado!) através da reinterpretação da História por via do desconstrucionismo ideológico (Nietzsche → Gramsci → Heidegger → Sartre → Foucault → Derrida → Habermas). Em suma: o futuro é uma certeza, e o passado uma contingência ― isto é, o reviralho total.
Isso, aliás, explica exatamente como funcionam os processos psicológicos de Christopher Hitchens quando ele resolve denunciar a religião por “crimes do passado”. Já mostrei como funciona esse estratagema aqui, e é importante ressaltar que Dawkins e Harris também recorrem à essa técnica constantemente. Para eles não importam os fatos do passado, mas sim o futuro utópico imaginado, de paz, graças ao ateísmo, e portanto o passado tem que ser denunciado por causa da religião. Para eles não importa maquiar as informações sobre a Inquisição, exagerando nos números e alterando dados. A regra é básica. O futuro utópico, de um mundo de justiça e paz, por causa do ateísmo, não pode ser mudado, esse é um axioma deste tipo de mente. Mas o passado terá que ser associado à religião, e por causa disso duramente criticado. Desconstrucionismo ideológico, conforme citado por Olavo, e historicismo absoluto serão as ferramentas para realizar esse tipo de manipulação.
Entretanto, nenhum exempo é mais gritante do que o de Daniel Dennett. Ele vive em um mundo, que, como sabemos, é em sua maioria religiosa. Ele cria uma idéia na qual todos os religiosos tivessem que se apresentar para um comitê de ateus, para que estes definam qual a melhor religião a ser utilizada, ou até decidam abolir o uso da religião. Em suma, ele já visualiza um futuro no qual a maioria é ateísta (ou ecumênica, ou nova era, ou qualquer coisa neste sentido), e estes julgarão os religiosos e dirão no que eles devem acreditar. Quer dizer, ele visualiza o mundo futuro utópico dele, e já age como se esse mundo existisse.
O segundo elemento é a inversão da moral, que assim é explicado por Olavo:
Em função da crença num futuro utópico dado como certo e determinado, em direção ao qual a sociedade caminha sem qualquer possibilidade de desvio, a mente revolucionária acredita que esse futuro utópico inexorável é isento de “mal” ― esse futuro será perfeito, isento de erros humanos. Por isso, em função desse futuro utópico certo e dado como adquirido, todos os meios utilizados para atingir a inexorabilidade desse futuro estão, à partida, justificados. Trata-se de uma moral teleológica: os fins justificam todos os meios possíveis.
Mais uma vez, isso é facilmente observável na campanha neo ateísta. Notem, por exemplo, como John Hartung promete um mundo de maravilhas, e diz que devemos tomar cuidado com a religião para não impedir a chegada à esse mundo. Ora, qualquer iniciativa em direção a essa utopia é, para esse tipo de mentalidade, completamente isenta de “mal”. A partir daí, todos os meios utilizados para atingir esse futuro já estão justificados. Temos aqui, portanto, uma explicação para o fato de que, dentre os que assumiram o paradigma neo ateísta, não há nenhum senso de crítica em relação a qualquer atitude que eles defendem, e todas já são consideradas moralmente aceitáveis. Richard Dawkins diz que os pais não devem ter mais o direito de ensinar seus valores aos filhos. Qual é o nível de aceitação dessa idéia perante os neo ateus? Praticamente absoluto, pois todos os meios para atingir o tal futuro inexorável são válidos. Sam Harris sugere a aniquilação de países para eliminar algumas religiões. Claro que isso é considerado não só justificável como moralmente impecável por grande parte dos neo ateus. Todos esses comportamentos são plenamente explicados por essa abordagem de Olavo de Carvalho.
Para concluir, o terceiro elemento é a inversão do sujeito-objeto, como segue:
A culpa dos atos de horror causados pela mente revolucionária é sempre das vítimas, porque estas não compreenderam as noções revolucionárias que levariam ao inexorável futuro perfeito e destituído de qualquer “mal”. As vítimas da mente revolucionária não foram assassinadas: antes suicidaram-se, e a ação da mente revolucionária é a que obedece sem remissão a uma verdade dialética imbuída de uma certeza científica que clama pela necessidade desse futuro sem “mal” ― portanto, a ação da mente revolucionária é impessoal, isenta de culpa ou de quaisquer responsabilidades morais ou legais nos actos criminosos que comete. Segundo a mente revolucionária, as pessoas assassinadas por Che Guevara ou por Hitler, foram elas próprias as culpadas da sua morte (suicidaram-se), por se terem recusado a compreender a inexorabilidade do futuro sem “mal” de que os revolucionários seriam simples executores providenciais.
E como vemos esse exemplo em neo ateus? O neo ateísmo já foi criticado por muitos, inclusive alguns ateus, por seu radicalismo. O fato é que os neo ateus não assumem nenhuma crítica e não aceitam ser culpados de absolutamente nada, pois consideram que a sua existência é CULPA da religião, que segundo eles causa males à sociedade. Vários neo ateus, defensores portanto da campanha neo ateísta, dizem que todos os seus atos estão a priori isentos de mal, e a culpa é dos religiosos. Daniel Dennett usa este recurso, ao sugerir que os crimes de religiosos sejam punidos de forma mais grave do que os não-religiosos. E ele age como se isso fosse moralmente aceitável, pois qualquer atitude sua, independente do grau de preconceito, até criminoso, é isenta de culpa, pois a culpa é somente dos religiosos.
É exatamente assim que funciona esse tipo de mente, de forma que é uma explicação muito sólida associarmos a mentalidade revolucionária ao neo ateísmo. Na verdade, podemos associar a mentalidade revolucionária principalmente ao marxismo, e como veremos a frente o neo ateísmo é apenas o carro-chefe dentre as sub-ideologias do marxismo (*). O importante é notar que o neo ateísmo, por sua associação e origem comportamental diretamente derivada do marxismo, assumiu todos os paradigmas típicos da mentidade revolucionária. Se você quiser saber como moralmente um marxista é, basta entender como é moralmente um neo ateísta. E vice-versa.
Lembremos que os três elementos acima ainda não dão a definição da mentalidade revolucionária. Eis então que ela segue, diretamente a partir de Olavo:
“Mentalidade revolucionária” é o estado de espírito, permanente ou transitório, no qual um indivíduo ou grupo se crê habilitado a remoldar o conjunto da sociedade – senão a natureza humana em geral – por meio da ação política; e acredita que, como agente ou portador de um futuro melhor, está acima de todo julgamento pela humanidade presente ou passada, só tendo satisfações a prestar ao “tribunal da História”. Mas o tribunal da História é, por definição, a própria sociedade futura que esse indivíduo ou grupo diz representar no presente; e, como essa sociedade não pode testemunhar ou julgar senão através desse seu mesmo representante, é claro que este se torna assim não apenas o único juiz soberano de seus próprios atos, mas o juiz de toda a humanidade, passada, presente ou futura. Habilitado a acusar e condenar todas as leis, instituições, crenças, valores, costumes, ações e obras de todas as épocas sem poder ser por sua vez julgado por nenhuma delas, ele está tão acima da humanidade histórica que não é inexato chamá-lo de Super-Homem. Autoglorificação do Super-Homem, a mentalidade revolucionária é totalitária e genocida em si, independentemente dos conteúdos ideológicos de que se preencha em diferentes circunstâncias e ocasiões.
Se alguns poderiam questionar o fato de que o neo ateísmo é “totalitário e genocida em si”, que antes repensem um pouco do que já foi dito até aqui:
- (a) a idéia de Richard Dawkins de retirar o direito dos pais educarem os filhos é totalitária
- (b) assim como a idéia de Daniel Dennett, de ter comitês para definirem qual a melhor religião, e sugerir intervenção do estado neste “controle” das religiões, é totalitária
- (c) ao passo que a idéia de Sam Harris de explodir países com um determinado tipo de religião não pode ser desassociada de uma idéia genocida
E não há como dourar a pílula. Mesmo que alguns neo ateus possam dizer “ah, eu não quero a intervenção do estado, e não quero genocídios, não concordo tanto com Harris assim”, isso não muda o fato de que ele defende e apóia as idéias dos ideológos que pregam tais idéias e por eles são tratados como “seres não passíveis de crítica”. Eles fazem patrulhamento ideológico em cima de quem criticar esses autores. Aliás, até a desculpa que normalmente os neo ateus dão quando os absurdos desses autores são denunciados geralmente é típica de uma interpretação delirante.
Olavo prossegue, brilhantemente, nos avisando do risco da mentalidade revolucionária:
Recusando-se a prestar satisfações senão a um futuro hipotético de sua própria invenção e firmemente disposto a destruir pela astúcia ou pela força todo obstáculo que se oponha à remoldagem do mundo à sua própria imagem e semelhança, o revolucionário é o inimigo máximo da espécie humana, perto do qual os tiranos e conquistadores da antigüidade impressionam pela modéstia das suas pretensões e por uma notável circunspecção no emprego dos meios [...] O advento do revolucionário ao primeiro plano do cenário histórico – fenômeno que começa a perfilar-se por volta do século XV e se manifesta com toda a clareza no fim do século XVIII – inaugura a era do totalitarismo, das guerras mundiais e do genocídio permanente. Ao longo de dois séculos, os movimentos revolucionários, as guerras empreendidas por eles e o morticínio de populações civis necessário à consolidação do seu poder mataram muito mais gente do que a totalidade dos conflitos bélicos, epidemias terremotos e catástrofes naturais de qualquer espécie desde o início da história do mundo. O movimento revolucionário é o flagelo maior que já se abateu sobre a espécie humana desde o seu advento sobre a Terra.
Antes de tudo, já é o momento de antecipar uma possível objeção. Não se deve confundir a mentalidade revolucionária com o termo “revolução”. Por exemplo, sempre que surge uma nova teoria de grande porte temos uma revolução na ciência. Até o movimento protestante pode ser chamado de uma revolução em aspectos religiosos. Mas nenhum dos dois implica em mentalidade revolucionária, pois se baseavam apenas em mudanças em TEMAS ESPECÍFICOS, nada dizendo em relação a remodelação do ser humano, um futuro utópico em terra, e ausência de julgamento sob seus atos, em direção ao futuro utópico. Não se deve confundir pessoas de mentalidade revolucionária com muitas das pessoas que atuaram em revoluções ao longo da ciência ou de outras áreas de conhecimento ao longo da história humana.
Já antecipo isso, para evitar uma possível reclamação, como “se alguém critica a mentalidade revolucionária, deverá criticar também Einstein, Aristóteles, Kant, Newton, Martin Luther King e outros”. Nada mais falso.
Usando a explicação acima do Olavo, vamos caracterizar o que normalmente compõe mentalidade revolucionária, na maioria dos casos:
- (a) promessa de um futuro utópico, inexorável
- (b) ausência completa de julgamento moral para os atos do grupo que defende essa idéia, pois ela é tão bela que os fins justificam os meios
- (c) remodelação do conceito de ser humano, na busca do super-homem
- (d) ambições globais
- (e) sensação de ser um agente da luta por esse futuro
Não há nada disso nas iniciativas de Martin Luther King ou nos estudos de Isaac Newton.
Mentalidade revolucionária é que caracteriza gente como Karl Marx, Vladimir Lenin, Adolf Hitler e Antonio Gramsci, e, no contexto do neo ateísmo, Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Daniel Dennett e Sam Harris.
Uma dica para identificamos alguém de mentalidade revolucionária:
- (1) Veja se o sujeito promete um “futuro maravilhoso”, usando de termos como “salvação da humanidade”
- (2) Veja se o sujeito age como se não tivesse que prestar satisfações em relação à moralidade de seus atos, sendo que os únicos atos decentes são aqueles em prol de tal “futuro maravilhoso”, e os atos indecentes são aqueles que estariam contra esse futuro
- (3) Presença da interpretação delirante quando ele trata os fatos que possivelmente refutam a idéia prometida em (1) ou as alegações sustentadas de acordo com o item (2)
Em todos os elementos citados como exemplos da mentalidade revolucionária, isso está identificado. E os leitores e seguidores desse pessoal TAMBÉM tornam-se exemplos de mentalidade revolucionária, pois adentram normalmente em sua militância.
Olavo de Carvalho explica mais a respeito de como não confundir a mentalidade revolucionária com o termo genérico usado para “revolução”:
O socialismo e o nazismo são revolucionários não porque propõem respectivamente o predomínio de uma classe ou de uma raça, mas porque fazem dessas bandeiras os princípios de uma remodelagem radical não só da ordem política, mas de toda a vida humana. Os malefícios que prenunciam se tornam universalmente ameaçadores porque não se apresentam como respostas locais a situações momentâneas, mas como mandamentos universais imbuídos da autoridade de refazer o mundo segundo o molde de uma hipotética perfeição futura. A Ku-Klux-Klan é tão racista quanto o nazismo, mas não é revolucionária porque não tem nenhum projeto de alcance mundial. Por essa razão seria ridículo compará-la, em periculosidade, ao movimento nazista. Ela é um problema policial puro e simples. [...] Por isso mesmo é preciso enfatizar que o sentido aqui atribuído ao termo “revolução” é ao mesmo tempo mais amplo e mais preciso do que a palavra tem em geral na historiografia e nas ciências sociais presentemente existentes. Muitos processos sócio-políticos usualmente denominados “revoluções” não são “revolucionários” de fato, porque não participam da mentalidade revolucionária, não visam à remodelagem integral da sociedade, da cultura e da espécie humana, mas se destinam unicamente à modificação de situações locais e momentâneas, idealmente para melhor. Não é necessariamente revolucionária, por exemplo, a rebelião política destinada apenas a romper os laços entre um país e outro. Nem é revolucionária a simples derrubada de um regime tirânico com o objetivo de nivelar uma nação às liberdades já desfrutadas pelos povos em torno. Mesmo que esses empreendimentos empreguem recursos bélicos de larga escala e provoquem modificações espetaculares, não são revoluções, porque nada ambicionam senão à correção de males imediatos ou mesmo o retorno a uma situação anterior perdida.
Aliás, a explicação abaixo nos mostra por que devemos suspeitar de quando os quatro cavaleiros do neo ateísmo dizem que prometem uma “difusão de racionalidade” que deve abranger toda a espécie humana:
O que caracteriza inconfundivelmente o movimento revolucionário é que sobrepõe a autoridade de um futuro hipotético ao julgamento de toda a espécie humana, presente ou passada. A revolução é, por sua própria natureza, totalitária e universalmente expansiva: não há aspecto da vida humana que ela não pretenda submeter ao seu poder, não há região do globo a que ela não pretenda estender os tentáculos da sua influência.
Vejam como isso explica perfeitamente todo o material dos livros desse pessoal. Eles não pensam em termos locais, mas sim globais.
O que é mais importante é também notar que o fato de Richard Dawkins ficar o tempo todo fazendo palestras ou escrevendo livros não é aquilo que o torna menos perigoso do que um líder político genocida. Veremos, em breve, que a revolução cultural ajuda a implementar, no momento certo, a revolução por armas. Isso será tratado nas partes 3, 4 e 5 deste ensaio, quando tratarei o marxismo cultural, os estágios de subversão e a estratégia gramsciana. Pelo momento, é importante notar que não podemos considerar alguém menos perigoso, no quesito de mentalidade revolucionária, apenas por não pegar em armas. Olavo nos diz mais a respeito disso:
Se, nesse sentido, vários movimentos político-militares de vastas proporções devem ser excluídos do conceito de “revolução”, devem ser incluídos nele, em contrapartida, vários movimentos aparentemente pacíficos e de natureza puramente intelectual e cultural, cuja evolução no tempo os leve a constituir-se em poderes políticos com pretensões de impor universalmente novos padrões de pensamento e conduta por meios burocráticos, judiciais e policiais.
Olavo termina concluindo falando daquilo que ele define como um antídoto à mentalidade revolucionária, que seria a mentalidade contra-revolucionária, ou conservadora:
A essência da mentalidade contra-revolucionária ou conservadora é a aversão a qualquer projeto de transformação abrangente, a recusa obstinada de intervir na sociedade como um todo, o respeito quase religioso pelos processos sociais regionais, espontâneos e de longo prazo, a negação de toda autoridade aos porta-vozes do futuro hipotético. [...] Nesse sentido, o autor destas linhas é estritamente conservador. Entre outros motivos, porque acredita que só o ponto de vista conservador pode fornecer uma visão realista do processo histórico, já que se baseia na experiência do passado e não em conjeturações de futuro. Toda historiografia revolucionária é fraudulenta na base, porque interpreta e distorce o passado segundo o molde de um futuro hipotético e aliás indefinível. Não é uma coincidência que os maiores historiadores de todas as épocas tenham sido sempre conservadores. Se, considerada em si mesma e nos valores que defende, a mentalidade contra-revolucionária deve ser chamada propriamente “conservadora”, é evidente que, do ponto de vista das suas relações com o inimigo, ela é estritamente “reacionária”. Ser reacionário é reagir da maneira mais intransigente e hostil à ambição diabólica de mandar no mundo.
No que concordo plenamente com Olavo. É por isso que temos que expandir nossa abordagem e explicar em como a mentalidade revolucionária é oposta à mentalidade conservadora.
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