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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

RESENHA: O Mistério do Capital, de Hernando de Soto - o motivo que leva continentes inteiros à pobreza

 

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Pode-se ler trechos do livro aqui.

 

Do site INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA

Por José Ricardo Cardoso de Mello Junqueira1

1 - INTRODUÇÃO

Recentemente, aconteceu na cidade do Rio de Janeiro a Primeira Cúpula de Negócios da América Latina, promovida pelo Fórum Econômico Mundial. Frédéric Sicre, diretor-gerente da or­ganização, listou entre os maiores problemas do Brasil a criminalidade, a baixa eficiência das polícias e do Judiciário, a baixa eficiência no recolhimento de impostos e problemas relacionados com o direito de propriedade (grifo do autor).

A questão da propriedade entrou na agen­da dos debates sobre os entraves ao desen­volvimento no Brasil. É oportuno, nesse momento, relembrar os que leram e chamar a atenção dos que não o fizeram para o livro de Hernando De Soto, intitulado O Mistério do Capital - Por que o ca­pitalismo dá certo nos países desenvolvidos e fracassa no resto do Mundo[2].

A tese central do livro cita que o processo de representação da riqueza ou do capital, que o autor chama efeito propriedade, é deficien­te ou mesmo inexistente nas “nações do Terceiro Mun­­do e do extinto bloco comunista”, o que faz de boa par­te dos seus ativos capital morto. Lembra que nos países desenvolvidos, “toda parcela de ter­ra, toda construção, todo equipamento ou es­to­que é representado em um documento de pro­prie­dade, e que este é o sinal visível de um vasto pro­cesso oculto, conectando todos esses ativos ao res­tante da economia”. Esse seria o mis­tério do ca­pital.

O autor destaca que “trata-se de uma infra-estrutura legal implícita, oculta, bem ao fundo de seus sistemas de propriedade, da qual a posse não é mais do que a ponta do iceberg. O resto do iceberg é um in­trincado processo construído pelo homem, que pode transformar seus ati­vos e seu trabalho em capital”.

Para enriquecer sua tese, o livro trata de cinco mistérios associados, cada qual correspondente a um capítulo.

1.1 - O Mistério da Informação Ausente

Neste capítulo, De Soto relata a pesquisa realizada em vários países sobre as dificuldades para legalizar um terreno ou um pequeno negócio, empurrando milhões de atividades para o setor informal e evidenciando o quanto os cha­mados “pobres do mundo” têm poupado na forma de terrenos, moradias e pequenos negócios, po­rém, por falta de legalização, essa poupança é considerada capital morto.

1.2 - O Mistério do Capital

Este capítulo, onde se desenvolve a te­se central (e que será abordado com mais deta­lhes a seguir), procura definir o que é capital à luz de pensadores como Marx e Adam Smith, como é produzido e como se relaciona com o dinheiro.

1.3 - O Mistério da Percepção Política

Em seguida, De Soto faz um extenso relato histórico do processo de urbanização ocorrido no mundo, do surgimento do fenômeno setor extralegal, da reação diferenciada das elites políticas em diferentes países ao fenômeno e da ca­pacidade de alguns em absorver e incorporar esse novo contingente à vida econômica. Evidencia que o que está acontecendo nesse momento, na maioria dos países, já aconteceu antes na Europa e nos Estados Unidos, mas o que aconteceu nas bem-sucedidas nações capitalistas permaneceu como um mistério.

1.4 - As Lições Esquecidas da História dos EUA

Usando a história norte-americana co­mo exemplo mais pertinente, neste capítulo o au­tor relata a longa e extensa batalha política e judicial ocorrida naquele país para incorporar os setores que foram desbravando o interior. Inicialmente sem lei e, posteriormente, regido por leis locais, que surgiram nos usos e costumes das diferentes comunidades. O embate entre a legislação federal, copiada da legislação britânica, e as legislações locais forjou uma legislação e um conjunto de instituições que têm permitido integrar a grande maioria das atividades ao sistema legal formal, de tal modo que tais atividades possam ser transformadas em capital.

1.5 - O Mistério do Fracasso Legal: por que a lei de propriedade não funciona fora do Ociden­te

Finalmente, De Soto destaca que não adianta copiar as leis dos países ocidentais e ado­tá-las coercitivamente. A história tem mostra­do que é necessário identificar os pactos sociais existentes e aceitos pela grande maioria da população. Termina sugerindo aos governos que es­­­­tejam dispostos a incorporar seis pontos a esse grande contingente de pessoas que operam na economia informal:

1) a situação e o potencial dos pobres precisam ser mais bem documentados;

2) todas as pessoas são capazes de poupar;

3) o que falta aos pobres são sistemas legalmen­te integrados de propriedade, que possam con­verter seus trabalhos e poupanças em capital;

4) a desobediência civil e as máfias de hoje não são fenômenos marginais, e sim resultado da marcha de bilhões de pessoas, proveniente de uma vida organizada em pequena escala em di­reção a outra de grande escala;

5) nesse contexto, os pobres não são o problema, e sim a solução;

6) a implantação de um sistema de propriedade que gere capital é um desafio político, pois envol­ve entrar em contato com as pessoas, com­preender o contrato social e rever o sistema le­gal.

2 - O MISTÉRIO DO CAPITAL

No capítulo onde trata da tese central do livro, De Soto começa lembrando que enquanto na maioria dos países casas, terrenos e mercadorias são apenas casas, terrenos e mercado­rias, nos países onde o capitalismo prosperou, esses mesmos ativos levam uma vida pa­ralela ao mundo físico, sob a forma de capital.

Em seguida, lembra que muitos confundem capital com dinheiro guardado e investido. Resgatando Adam Smith e Marx, pontua que o dinheiro é apenas uma das formas como o capital circula e serve, entre outras coisas, para me­dir valores. Mas o real valor das coisas está na sua capacidade de criar uma produção adicional.

Usando uma analogia com um lago, que pode gerar energia desde que o homem ado­te alguns procedimentos conhecidos, diz que con­­ti­nua um mistério o fato de onde encontrar a chave do processo que converte o potencial econômico de uma casa, por exemplo, em capital. Isso porque, segundo De Soto, o processo-chave não foi organizado deliberadamente para criar ca­pital, mas para o propósito mundano de proteger a posse de propriedades.

Enfatiza que é a propriedade formal que proporciona o processo, as formas e as regras que fixam os ativos em uma condição que permite convertê-los em capital ativo. Esse processo começa com o registro de propriedade, des­crevendo e organizando os aspectos econômico e socialmente mais úteis sobre esses ativos. Depois, são convertidos em títulos, seguindo um conjunto de regras legais e precisas, compartilhan­do com os demais essas informações padronizadas e aceitas socialmente.

Em seguida, o autor destaca seis efeitos desse simples procedimento, que permite ati­vos trans­formarem-se em capital. Os chamados efeitos-propriedade seriam:

- Fixação do potencial econômico dos ativos: o processo tem início na representação escrita das qualidades econômicas e sociais mais úteis sobre os ativos. A escritura de uma casa remete ao universo conceitual, enquanto a ca­sa em si remete ao mundo físico real. O capital reside no mundo conceitual, representativo, mas lastreado no mundo real. A representação formal de propriedade permite que esse título tenha uma vida separada do ativo em si. Pode ser utilizado como garantia em em­préstimos; como ação ordiná­ria negociada em bolsa; co­mo endereço para co­brança de dívidas, impos­tos e taxas; como lo­calização que identifica os indivíduos para motivos comer­ciais, judiciais ou cívicos; ou como ter­minal responsável para recebimento de serviços públicos, como energia, água, esgoto, telefone e TV.

Sendo ou não intencional, o sistema le­gal de propriedade transformou-se na escadaria que conduziu as nações desenvolvidas do universo dos ativos, em seu estado natural, para o universo conceitual do capital.

- A integração das informações dispersas em um único sistema: a integração da maior par­te dos ativos nas nações ocidentais ao sistema formal de propriedade não ocorreu por acaso. Du­rante décadas no século XIX, políticos, le­gisladores e juízes juntaram fatos e regras dispersas que haviam regido a propriedade por todas as cidades, vilas, construções e fazendas e os integraram em um sistema único - o que Hernando De Soto afirma não ter encontrado nos demais paí­ses pesquisados. Nesses países, o que ocorre com freqüência são acordos informais, pelas dificuldades em ingressar nos sistemas formais descolados dos sistemas formais.

- A responsabilização das pessoas: a lei formal de propriedade deslocou a legitimidade dos direitos dos proprietários do contexto local para o mundo impessoal da lei, favorecendo o estabelecimento de suas responsabilidades, criando in­divíduos onde antes havia massa. O preço a pagar é a perda de autonomia dos proprietários. As autoridades passam a ser capazes de des­­cobrir infrações legais e contratos desonestos, podem suspender serviços, reter a propriedade e retirar alguns ou todos os privilégios de propriedade legal. O papel da propriedade formal passou a ser não só de garantir a posse de um ativo, mas garantir também as transações as­sociadas a esse título de propriedade. Assim nas­ceu o respeito dos cidadãos desses países em títulos financeiros. Todo compromisso financeiro é mais sólido quando apoiado por uma promessa de propriedade, seja uma hipoteca, seja um direito de retenção ou qualquer outra forma de garantia protegendo a outra par­te contratante.

- A transformação dos ativos em bens fungíveis: uma das funções mais importantes do sistema de propriedade formal é transformar a condição dos ativos de menos a mais aces­síveis para que possam fazer trabalho adicional. Separando as características econômicas de um ativo de seu rígido estado físico, uma repre­sentação torna o ativo fungível - capaz de ser moldado para servir praticamente a qualquer transação. As representações podem ser combinadas com facilidade, divididas, mobilizadas e usadas para estimular acordos de negócios. As­sim, os sistemas formais de propriedades ocidentais reduziram significativamente os custos de transações de mobilização dos ativos.

- A integração das pessoas: a verdadeira inovação da propriedade foi melhorar radicalmente o fluxo de comunicação sobre os ativos e seus potenciais, transformando seus donos em agen­tes econômicos capazes de transformar ativos dentro de uma rede ampla. A propriedade legal fornece às empresas informações sobre os ativos de seus donos, endereços verificáveis e registros objetivos do valor da propriedade, todos estes conduzindo a registros de crédito. Essa informação e a existência de uma lei integrada tornam os riscos mais manejáveis, distribuindo-os a dispositivos, como seguros e junções de propriedade, na garantia de dívidas. A propriedade formal passa a ser o centro de uma rede complexa de conexões. As organizações financeiras podem identificar solicitantes de empréstimos potencialmente con­fiáveis em escala maciça. Os cidadãos comuns passam a ter condições de formar vín­culos, tanto com o governo como com o setor privado de forma segura, e assim obter mercadorias e serviços adicionais. Então, o sistema de propriedade extrai o potencial abstrato das cons­truções e o fixa em representações que permitem o uso passivo apenas como abrigo.

- A proteção das transações: o sistema de pro­priedade formal ocidental funciona porque é baseado numa rede de instituições (cartórios pú­blicos, entidades privadas de registro de tran­sações, organizações guardiãs de depósitos de garantia, agências de certidões, avaliadores, seguradoras de títulos e certidões, agências de hipoteca, serviços privados de reconhecimen­to de firma e conservação de documentos originais), que devem seguir rígidos padrões de ope­ração e rastrear permanentemente a viagem desses títulos no tempo e no espaço. Tais instituições visam proteger a posse e as transações associadas. O trabalho de De Soto salienta que nas sociedades onde o capitalismo pros­perou, essas instituições enfatizam as transações, enquanto nas demais a ênfase es­tá na garantia da posse, simplesmente.

Ao final deste capítulo, quando De Soto estabelece a relação entre capital e dinheiro, afirma que uma das razões para que as chamadas “reformas macroeconômicas e de ajustes es­truturais”, levadas a cabo em vários países nos úl­timos anos, não têm funcionado porque não levam a questão da propriedade formal em consideração. Ele lembra que precisa-se de capital, e este requer um sistema complexo e poderoso de propriedade legal.

Capital, que em latim significa cabeça, é antes de tudo produto da mente humana, que estabelece uma relação simbólica entre um título, um papel e um bem real e seu potencial econômico. O sistema de propriedade, então, não seria um mero pedaço de papel, e sim um dispositivo de mediação que captura e estoca a maior parte do que se precisa para manutenção do funcionamento de uma economia de mercado. A propriedade semeia o sistema, tornando as pessoas responsáveis e os ativos fungíveis, acompanhando de perto as transações e, assim, proporcionan­do todos os mecanismos necessários ao fun­cionamento dos sistemas monetário, bancário e de investimento. A ligação entre capital e dinheiro moderno passa pela propriedade.

Radicalizando seu argumento, De Soto afirma que é a informação documentada encontrada em registros legais de posse e de transações que fornece às autoridades monetárias os indicadores de que precisam para emitir moeda corrente. Citando George A. Miller e Philip N. Jonhson-Laird, enfatiza que “a cédula de papel de­ve sua origem à anotação de dívidas. [Portanto], o dinheiro (...) pressupõe a instituição da propriedade.” É a documentação de propriedade que fixa as características econômicas dos ativos pa­ra que possam ser usados na garantia de transações comerciais e financeiras e, por fim, proporcionar a base justificativa para os bancos cen­trais emitirem dinheiro.

O capital não é, portanto, criado pelo dinheiro; é criado por pessoas cujos sistemas de propriedade auxiliam-nas a cooperar e pensar como podem fazer os ativos que acu­mulam desdobrarem-se em produção adicional. Esse seria o mistério do capital, que permitiu aos países onde a economia de mercado prosperou produzirem dinheiro não-infla­cio­nário com o qual financiam e geram produção adicional.

3 - CONSEQÜÊNCIAS IMEDIATAS PARA O AGRO­­­­­­NEGÓCIO: capital e dinheiro no Bra­sil

Essa é, sem dúvida, uma das principais reformas necessárias no Brasil, e até o momento sequer tinha entrado na agenda nacional. Muito se fala sobre criar condições para que se desenvolvam mecanismos de financiamento de longo prazo, valorizando a poupança interna. Com cer­teza, o País é quase que totalmente dependente de capital externo para financiar o desenvolvimen­to. Tal condição tem provocado constrangimentos fortes para o crescimento sustentado do Brasil.

De fato, como ressalta De Soto, no Bra­sil, como nos demais países, o crédito ao setor produtivo é um dos elementos que o Banco Central (BC) leva em consideração para justificar a emissão de dinheiro sadio, sem efeito inflacionário. Desde 2000 os créditos são classificados segundo seu grau de risco. Quanto menor for o risco, menor será a exigência que o BC faz para os bancos reterem recursos e, portanto, maior será a disponibilidade de dinheiro para novos financia­mentos.

Dadas as fragilidades macroeconômicas, o País tem uma das maiores taxa de juros do mundo. Para agravar essa situação, o spread bancário praticado no Brasil é exorbitante. Grande parte dessespread é explicado pelo risco de crédito elevado, em função da fragilidade das ga­rantias apresentadas.

Todos esses argumentos são a favor da tese de Hernando De Soto.

O impacto social e econômico de medidas que equacionasse esse problema seria mui­to grande. O novo Governo parece estar sensibilizado para o problema, à medida que o Ministro da Justiça tem colocado como uma das suas prioridades a regularização da propriedade nas zo­nas de favela, exatamente para facilitar a inser­ção do contingente populacional que vive em condições precárias no mer­cado de bens e ser­viços públicos e privados.

No entanto, esse problema no Brasil é generalizado e não se aplica apenas às regiões de favela. Os empresários brasileiros têm sido acusados de patrimonialistas, e de fato o são. Um dos motivos, com certeza, é a falta de confiança

em títulos que representem riqueza no Brasil; problema que no momento tem preocupado também as economias centrais, especialmente as do Japão e dos EUA.

Essa questão afeta principalmente as atividades que exigem crédito de longo prazo. A construção civil e o agronegócio es­tão entre eles. São setores que ficam na dependência quase exclusiva de linhas de financiamento oficial e, por isso, desperdiçam um potencial produtivo, gerador de emprego e renda brutal.

Os bancos estrangeiros, que se instalaram no Brasil com a abertura do País na década de 90, tinham a intenção de ocupar esse espaço, especialmente na área da construção civil. Depois de analisar as condições do sistema de propriedade existentes, acabaram se comportando como os bancos tradicionais, e não se aventuraram por esse caminho.

No caso do agronegócio, a política agrícola é baseada essencialmente no financiamento de investimentos e na política de estoques reguladores. Ambas as atividades dependem da confiança em títulos que representem riqueza. As linhas de crédito baseadas em recursos oficiais (BNDES e BB) amenizam o problema, mas estão longe de alavancar o potencial produtivo do agronegócio no Brasil.

Download do texto RESENHA - O Mistério do Capital

[1]Engenheiro Agrônomo, Pesquisador Científico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA).

[1]DE SOTO, H. O mistério do capital: por que o ca­pitalismo dá certo nos países desenvolvidos e fracassa no resto do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2001. 306 p.

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