Quedas do Iguaçu: A cidade que ousou se levantar contra o MST
Com apoio de dezenas de entidades de classe, população de Quedas do Iguaçu realiza duas manifestações contra os sem-terra no mesmo dia.(Crédito: Luiz Carlos da Cruz/Gazeta do Paraná)
Eles sempre foram os manifestantes. Acostumados a fecharem agências bancárias e prédios públicos, interromperem o tráfego de veículos em rodovias e o que mais gostam de fazer: invadir terras. Desde janeiro de 1984 quando ocorreu o primeiro encontro nacional de sem-terra em Cascavel, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ao longo de três décadas amedrontou pessoas com seus facões e foices em diferentes estados do Brasil. Também foram violentamente reprimidos como ocorreu em abril de 1996 em Eldorado dos Carajás (PA) quando a polícia tentou desobstruir uma rodovia e houve confronto que terminou com um saldo de 19 sem-terra mortos.
As reações contrárias ao MST até agora eram apenas em posicionamentos de autoridades e líderes classistas, mas eis que uma nova invasão de terras acontece na área da empresa Araupel, em Rio Bonito do Iguaçu. A reação da população foi imediata e mesmo antes da ocupação os moradores de Quedas do Iguaçu, onde está a sede regional da empresa, foram às ruas para protestar contra o que até então era só uma ameaça que se concretizou no dia 17 de julho, quando duas mil famílias ocuparam uma nova área de terras da empresa.
Ontem, os manifestantes voltaram às ruas em apoio a empresa e desta vez foram dois protestos em um único dia. O primeiro no centro de Quedas do Iguaçu onde aconteceu uma celebração religiosa seguida de discursos inflamados contra a invasão. Depois, os manifestantes embarcaram em 40 ônibus e dezenas de carros e viajaram 60 quilômetros até a cidade de Nova Laranjeiras onde fizeram uma grande manifestação na BR-277.
A ideia inicial era que a mobilização ocorresse no pedágio, mas a Ecocataratas, concessionária que administra a rodovia, conseguiu na Justiça um interdito proibitório que impedia o fechamento da praça. A manifestação pacífica aconteceu, então, às margens da rodovia em Nova Laranjeiras.
Os manifestantes portavam bandeiras brancas, faixas, cartazes e gritavam palavras de ordem com o objetivo de chamar a atenção das autoridades para que cumpram o mandado de reintegração de posse. Segundo a Polícia Militar, o número de manifestantes em Nova Laranjeiras foi de aproximadamente 2,3 mil pessoas. Esse número equivale a 20% da população local que é de 11,5 mil habitantes segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). Motoristas que passavam pela rodovia recebiam panfletos com mensagem de indignação dos moradores.
Tensão
O diretor da Araupel, Tarso Giacomet, participou da manifestação e disse que não há mais espaço nas terras da empresa para reforma agrária.
“A Araupel não negocia um milímetro quadrado de terra a mais. O que nós fizemos em prol do MST foram os 52 mil hectares cedidos”, disse numa referência a área da empresa que foi desapropriada há quase duas décadas e que hoje abriga assentamentos de sem-terra.
Giacomet voltou a dizer que milhares de árvores da área de reflorestamento foram derrubadas após a invasão. Ele disse que existem pessoas de vários estados no acampamento e que até sem-terra argentinos estariam na área ocupada.
“Há um clima muito tenso aqui na cidade com a perspectiva de que o pior possa acontecer”, afirmou. Giacomet aposta que haja uma desocupação pacífica da área, mas afirmou que existem “oportunistas de plantão interessados em sangue para aproveitar o momento político”.
O comerciante Antonio Alexandre fechou seu estabelecimento para participar da manifestação. Para ele, se a Araupel deixar a cidade será instalado o caos em toda a região.
“É uma empresa que há 40 anos gera emprego, empresa que fez a cidade crescer. Cada oficina mecânica, cada comércio que existe em Quedas do Iguaçu depende da Araupel”, afirmou.
Parada
A cidade de Quedas do Iguaçu literalmente parou para protestar. A prefeitura decretou ponto facultativo e liberou os servidores para participarem da manifestação. O comércio também não abriu e na maioria das lojas havia faixas de apoio à Araupel. Moradores do vizinho município de Espigão Alto do Iguaçu também participaram da manifestação.
José Carlos Moreira Pinto, integrante da Comissão Pró-Emprego, que reúne vários sindicatos e entidades afirma que a cidade está aterrorizada com o atual momento.
“Se houver uma paralisação das atividades da empresa isso acarretará sérios danos à cidade e à região”, diz.
Ele conta que durante muito tempo trabalhou na Araupel e hoje presta serviço terceirizado.
“Hoje a cidade está uma interrogação, todo mundo aterrorizado”, diz sobre a invasão do MST.
A reportagem tentou contato por telefone e e-mail com a liderança do MST para questionar sobre a presença de sem-terra argentinos no movimento, mas não obteve resposta. No Facebook, o perfil de um jovem argentino chamado Diego Sercovich mostra uma série de fotos do acampamento em Rio Bonito do Iguaçu. Sercovich é formado em engenharia civil pela Universidad Nacional de Luján.
A população de Quedas do Iguaçu promete, caso não seja cumprida a reintegração de posse, organizar uma nova manifestação, desta vez em frente ao Palácio Iguaçu, em Curitiba.
Outro lado: MST exige a desapropriação
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) divulgou nota na tarde de ontem afirmando que vai exigir do Incra a desapropriação das terras da Araupel localizada entre os municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu. O movimento diz que vai lutar pela desapropriação de 100% da área. A questão foi discutida anteontem na superintendência do Incra em Curitiba e uma nova reunião deverá ocorrer na semana que vem em Brasília. A Ouvidoria Agrária Nacional deverá vir à região nos próximos dias para debater a questão. O MST também informou que não pretende deixar a área e que as famílias aguardarão no local até uma decisão final da Justiça.
FONTE: http://cgn.uol.com.br/noticia/100215/quedas-do-iguacu-a-cidade-que-ousou-se-levantar-contra-o-mst
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