2/6/2014 13:45
Manifestações contra a Copa fazem a imprensa internacional pesquisar sobre os fatores causadores da insatisfação de certos setores populares.
Durante a ditadura militar muitos exilados e mesmo presos políticos
não conseguiam deixar de torcer pelo Brasil durante as Copas do Mundo.
Quando, em 2007, a Fifa escolheu o Brasil foi a euforia e Lula imaginou,
sem dúvida, que a Copa, num ano de eleição presidencial, traria a consagração para o PT.Faltando apenas alguns dias para o chute inicial, sabe-se que apesar de organizada dentro do Brasil, esta será a primeira Copa sem entusiasmo unânime da população e com a mobilização de um enorme aparato policial-militar para evitar manifestações de protestos imprevisíveis.
Foi realmente a grande imprensa corporativa quem insuflou o desinteresse de alguns e a revolta de muitos, desde as primeiras manifestações espontâneas de junho do ano passado, contra o aumento das tarifas nos transportes coletivos e pelo « passe livre » ?
Foi um complô contra o governo, contra o PT, conjugado com a condenação pelo STF dos réus do chamado « mensalão » para impedir a reeleição de Dilma, provocando uma inesperada rejeição do esporte considerado o « ópio do povo brasileiro »?
Durante meses, a imprensa internacional se limitou a registrar protestos esparsos, principalmente em São Paulo e no Rio, imaginando que tais manifestações iriam gradualmente se arrefecendo com a proximidade da festa máxima popular do futebol. Porém aconteceu justamente o contrário, aumentando o número dos críticos e descontentes, tornando-se quase diárias as manifestações contra a Copa.
E, ao contrário das outras Copas, em que muito se escrevia e se falava sobre turismo nos países organizadores e sobre os próprios jogadores dos países selecionados, desta vez a imprensa estrangeira preferiu dedicar os seus maiores espaços para tentar decifrar porque muitos brasileiros, considerados os maiores torcedores do mundo, decidiram rejeitar a sua própria Copa, quando foram construídos e reformados estádios em cada região do País, mesmo onde seriam dispensáveis. Não dezenove estádios, como desejava Lula, nem oito como queria a Fifa, mas doze, entre os reformados e adaptados ao « padrão Fifa » e os totalmente novos.
Assim, Der Spiegel, Liberation, Le Monde, Le Temps mais rádios e canais de televisão e mesmo documentários cinematográficos, como o filme belga Copa para quem, estão publicando reportagens, análises, estudos sobre que fatores teriam tirado de muitos brasileiros aquela fama de pacifistas, brincalhões, gozadores e um tanto irresponsáveis para se tornarem contestadores e críticos do governo, justamente um governo aparentemente ativo no combate à desigualdade social.
Nesta altura, não importa qual será a qualificação da seleção brasileira na Copa. Para a imprensa estrangeira, que não se poderá acusar de apoiar a oposição à presidenta Dilma, os anos Lula de crescimento e de mudanças sociais vão chegando ao fim. E tanto Lula como Dilma não aproveitaram ou não puderam fazer, durante seus mandatos, as reformas estruturais e sociais necessárias ao Brasil.
Os problemas surgidos com a Copa revelaram um Brasil onde continuam as desigualdades sociais, o racismo latente e disfarçado envolvendo pobres, negros e indígenas, a corrupção endêmica, um Parlamento dominado pelos mensaleiros do agronegócio e dos pecuaristas desmatadores. Um Brasil que se esqueceu da reforma agrária e uma dificuldade do governo: depois de ter tirado 30 milhões de brasileiros da miséria, não sabe como lhes oferecer a sequência das medidas sociais, pois não basta a possibilidade de terem um mínimo para entrarem no mundo capitalista e se endividarem na compra de eletrodomésticos, para alegria dos supermercados com a emergência desses novos consumidores.
Daí o aparente paradoxo de estarem também entre os manifestantes contra a Copa, jovens estudantes originários da emergência social da era lulista. Jovens ingratos ou insatisfeitos por terem provado o sabor da sociedade liberal-capitalista, mas sabendo não poderem ir além, numa sociedade que melhorou mas não solucionou seus problemas estruturais ? Será que têm razão ou estariam sendo manipulados ao exigirem mais e melhores escolas e formações profissionais, mais e melhores investimentos em saúde e transportes ?
As outras questões ligadas à inutilidade de se construir enormes estádios sobrefaturados, onde não há torcedores e nem clubes para ocupá-los depois da Copa; a submissão do Brasil às exigências da Fifa, quando deveria ter ocorrido o contrário; a não construção da maioria das infraestruturas que deveriam facilitar o acesso aos estádios, como o trem bala; a desapropriação de casas de moradores pobres para construção de avenidas que favorecem o mercado imobiliário, como ocorreu em Fortaleza; os vendedores ambulantes impedidos de chegar perto dos estádios para se favorecer os patrocinadores da Copa; os atrasos nas obras que provocaram insegurança para os trabalhadores e encarecimento com a aceleração dos trabalhos; o risco de congestionamentos rodoviários dos aeroportos para as cidades e dos hotéis dos turistas aos estádios, tudo isso são questões simplesmente subsidiárias.
Como a vitória lulista de 2007 de trazer a Copa ao Brasil pôde se transformar no atual pesadelo da presidenta Dilma, que recorre mesmo a decreto prevendo a mobilização de militares contra manifestantes ? E se o Brasil não ganhar quais serão as consequências políticas ? Dilma já perdeu a Copa ou pode ainda revertê-la a seu favor ?
Rui Martins, jornalista, escritor, editor do novo Direto da Redação.
Fonte: http://correiodobrasil.com.br/destaque-do-dia/como-dilma-perdeu-a-copa/707594/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20140603
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