É domingo, faz 24 graus em Itapecerica da Serra (SP), o Pe. Osmar de Carvalho atravessa a nave da Igreja com um incensário nas mãos, sobe ao altar e pede que os fieis se levantem para a prece inicial. Juntamente com o pároco, os 200 participantes pedem a Deus perdão por seus pecados e em seguida cantam Glória a Deus nas alturas. Após a primeira e a segunda leitura de trechos da Bíblia, os fieis são conduzidos ao altar para a celebração da Eucaristia. Homens, mulheres, adolescentes participam do pão e do vinho. Por fim, o padre invoca as bênçãos de Deus e despede-se da assembleia.
Essa poderia ser uma missa católica tradicional, não fosse o fato de que a Capela de São Miguel e Todos os Santos estivesse localizada no complexo da Fundação Centro Teosófico Raja (uma espécie de “Gnose Cristã”) e fizesse parte também da Igreja Católica Liberal. Dirigida pelo Monsenhor Marcelo Rezende, a ICL foi fundada em 1916 (Londres) e afirma ser uma extensão da Igreja Vétero-Católica da Holonda, a qual se separou de Roma no século XIX por discordar da promulgação do dogma da Infabilidade Papal. No site da ICL Brasil, encontramos a seguinte informação.
“Pontos essenciais sobre a Igreja Católica Liberal– Ela é uma Igreja Cristã, uma Comunidade de clérigos e fieis fundada em 1916 cuja sucessão apostólica, válida e reconhecida, deriva-se da Igreja Velho Católica da Holanda.– Não é uma Obediência da Sé Romana nem uma Igreja Protestante, sendo autônoma e auto-governada.– Reconhece a existência da Sabedoria Divina, a Teosofia, a pré-existência da Alma e sua evolução por meio de manifestações cíclicas no mundo, regidas pela lei de harmonia e justiça divinas…”
A ICL é apenas uma das milhares de denominações católicas independentes (cismáticas) existentes no mundo. No Brasil, pelo menos 70 denominações se dizem independentes administrativa e teologicamente da Igreja Católica Apostólica Romana.
A existência de igrejas e associações independentes do Vaticano (e isso sem mencionar as disputas internas, como as conhecidas entre tradicionais e carismáticos, adeptos do Opus Dei e jesuítas, conservadores contra liberais) põe em cheque uma vez por todas a teoria de que a ICAR seria “una” e a “verdadeira” Igreja de Cristo. Na verdade, é a ICAR a que mais possui placas e grupos cismáticos no mundo. Neste artigo veremos quem são, como e por que surgiram inúmeros grupos cismáticos a partir do Catolicismo Romano. Antes disso, convém conhecermos um pouco sobre a história da ICAR e os primeiros problemas enfrentados após 385 d.C.
Os primórdios da Igreja Católica Apostólica Romana
A ICAR cita o ano de 33 d.C. como a data de sua fundação. Isso se deve a ideia de que Pedro teria sido o “primeiro” papa a quem Jesus “entregou” as chaves dos céus e da terra. É a sucessão apostólica, invocada tanto pela Igreja Romana, como pelas igrejas católicas cismáticas. No prefácio do livro Crenças, religiões, igrejas & seitas: quem são? de Estevão Tavares Bittencourt, o Dom Antonio Afonso de Miranda faz a seguinte observação.
“Deus, sapientíssimo, não pode ser o autor de tantas religiões ou crenças. No mínimo, são ilusões ou enganos de interpretação da fé. Tendo Ele se revelado na “plenitude dos tempos” (Gl 4,4) em seu Filho Jesus Cristo, só o que Cristo transmitiu aos apóstolos e o que se herdou destes numa sucessão ininterrupta Igreja Católica tem foros de verdade revelada, portanto digna de fé”. [1]
No mesmo prefácio, o autor faz uso também do cremos católico para validar a ideia de que a ICAR é a “verdadeira” e “única” Igreja de Cristo.
“8. Nossa fé católica tem, assim, um ponto fundamental de apoio: a sucessão apostólica. Para validade do ministério humano-divino exercido dentro da Igreja instituída por Cristo, deve haver um elo histórico de sucessão aos apóstolos; onde se rompeu este elo, cessou o ministério legítimo e a ligação com o Senhor que salva. É o caso das nossas irmãs igrejas ditas “cristãs”, porém não-católicas, porque não são apostólicas.9. Por isso, cremos que a união à Igreja Católica, efetivamente somente através da sucessão dos apóstolos, é garantia ordinária de remissão dos pecados, de vida em graça e penhor de salvação”. [2]
Diferente do que afirma o Catolicismo Romano, a Igreja fundada por Jesus e posteriormente difundida por seus discípulos e apóstolos, jamais fez parte do catolicismo ou de qualquer outra ramificação posterior. Ou seja, é impossível estabelecermos qualquer conexão entre a ICAR (pelo menos na forma como se apresenta hoje) com a Igreja fundada por Jesus. Na verdade, não existe uma data específica que poderíamos indicar como o ponto inicial da ICAR, mas, sim, um processo gradual de paganização que culminaria com a formulação do que hoje conhecemos como Igreja Católica Apostólica Romana. No entanto, alguns autores propõem o ano de 385 d.C. como a data em que a Igreja começa a caminhar para o secularismo e paganismo. Nesse ano, o bispo Teodósio decretou o cristianismo como a religião “oficial” do Império Romano e ordenou que todos os pagãos se convertessem à nova religião. Como consequência, a Igreja (até então pura e cristã) entra em um processo acelerado de paganização, com a introdução de elementos do culto e das crenças pagãs e mitológicas.
A origem do termo “católica”, aplicado à Igreja Romana
Sete anos antes do decreto de Teodósio, os bispos que se reuniram para o Primeiro Concílio de Constantinopla (381 d.C) deram à religião que se desenvolvia a designação de “católica”. De origem grega, a palavra católica (καθολικος, lê-se katholikos) significa “geral” ou “universal”. Era essa a primeira tentativa de “unificar” o cristianismo em torno de um organismo central.
Segundo um verbete da Wikipedia, o termo catolicismo é “usado geralmente para uma experiência específica do cristianismo compartilhada por cristãos que vivem em comunhão com a Igreja de Roma.” É a partir do Primeiro Concílio de Constantinopla que começa a ser difundido o conceito de que a Igreja Católica é indivisível, ou seja, para ser cristão é necessário estar em comunhão com a Igreja de Roma. No Credo Niceno-Constantinopolitano ou Símbolo Niceno-Constantinopolitano, encontramos a seguinte confissão de fé:
“Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.”
Para os católicos romanos, essa quádrupla descrição da Igreja a distingue de qualquer outra religião do mundo – porque, segundo creem, ela teve origem com Jesus e os primeiros apóstolos.
Os primeiros cismas na Igreja
Pouco tempo depois da formulação do Credo Niceno-Constantinopolitano, que dava a Igreja de Roma exclusividade na condução dos fieis, começam a surgir às primeiras cismas (divisões) na Igreja. Antes da divisão ocorrida em 1054, que veremos adiante e com mais detalhes, a Igreja se viu diante das primeiras contestações ao seu governo e/ou patriarcado, pondo por terra o conceito até então difundido de que a Igreja é “una”.
Nestorianos
Encabeçado por Nestório (patriarca de Constantinopla de 428 a 431 d.C), os seguidores da doutrina segundo a qual afirmava que em Jesus havia dois “eus” ou “duas” pessoas: uma divina, com a sua natureza divina, e outra, humana, com a sua natureza humana, se rebelaram contra a Igreja após o Concílio de Éfeso (431 d.C)), formando o que seria o primeiro grupo cismático conhecido.
Boa parte das ideias de Nestório foram tomadas de Teodoro de Mopsuéstia, quando de seus estudos na Escola de Antioquia. Condenado em 431 por defender, entre outras coisas, que Maria não era mãe de Deus (“Cristotokos” mãe de Cristo, em oposição ao “Theotókos”, mãe de Deus, na visão católica tradicional), se refugiou em um mosteiro onde viveu o resto da vida. Com o tempo, o Nestorianismo passou a ser a posição oficial da Igreja do Oriente. Apesar de alguns terem regressado à fé católica, um pequeno número de seguidores resistem em países como China, Índia, Irã e Estados Unidos. A Igreja Assíria do Oriente é a principal das remanescentes nestorianas.
Monofisistas
Alguns anos mais tarde, Eutyches de Alexandria propôs uma doutrina contrária à defendida por Nestório. Segundo ele, em Jesus haveria um só “eu” e uma só natureza (a divina), uma vez que a humanidade teria sido absorvida pela divindade. Enquanto seu oponente defendia a distinção das naturezas humana e divina (sendo duas naturezas e/ou pessoas diferentes) Eutyches afirmava a completa união das naturezas – daí a origem do termo “Monofisismo” (do grego μονο = único).
A ICAR concluiu que a doutrina de Eutyches seria ainda mais perigosa do que a de Nestório. Condenado como herege pelo bispo Eusébio de Dorileia e, posteriormente, pelo Concílio de Calcedônia (451), Eutyches enviou cartas a alguns dos principais bispos da Igreja e ao Papa Leão I, nas quais pedia ajuda. No entanto, a excomunhão lançada sobre ele foi considerada irrevogável.
Após a morte de Eutyches (em 456), a Imperatriz Eudóxia Aelia aderiu ao monofisismo e o fez conhecido na Pérsia. Outro que contribuiu para a divulgação da doutrina foi Jacob Baradaeus, que no século 6 incentivou a união das várias vertentes monofisistas, culminando com a criação da Igreja Ortodoxa Siríaca. Grupos similares existem ainda hoje no Egito, Etiópia, Síria e Armênia, constituindo uma massa de quase 5 milhões de adeptos.
Valdenses
No século XII, um movimento denominado “Valdense” (fundado por Pedro Valdo, comerciante de Lyon) foi perseguido pela Igreja por defender o direito de cada fiel de ter a Bíblia em sua própria língua. Por essa mesma época havia sido estabelecida – no Concílio de Verona (1186) – a “Santa Inquisição”, razão pela qual os valdenses se reuniam em grutas ou na casa dos familiares.
Quando começou (por volta de 1180), Pedro Valdo vendeu seus bens, deu o dinheiro aos pobres e passou a viajar e pregar a Palavra. O que o inspirou à busca do conhecimento e da salvação em Cristo, foi a leitura de Mateus 19.21, texto esse apresentado por um teólogo que havia sido chamado às pressas para auxiliá-lo em sua busca da verdade.
Encantado com a mensagem do Evangelho e sabedor de que a ICAR determinava que a Bíblia fosse lida apenas em Latim, Pedro Valdo encomendou uma tradução da Bíblia para a linguagem popular. Acabou excomungado, mas suas ideias se espalharam: não jurar, recusar a pena de morte, a hierarquia da Igreja e a crença em purgatório, indulgências e veneração dos santos etc. [3]
Boa parte das ideias defendidas por Valdo foram reunidas na Confissão de 1120, considerada como a “mais antiga confissão de fé protestante”. Apesar de algumas diferenças com os credos de Lutero e Calvino, a confissão valdense fazia uma explícita condenação da liturgia católica (artgs. 10 e 11), bem como os sacramentos (art. 8). Os valdenses consideravam como válidos apenas os sacramentos do batismo e ceia do Senhor.
Albigenses
Também conhecido como “Catarismo”, o movimento dos albigenses surgiu por volta do século XII, em Albi (sul da França) e pregava a existência de um deus do bem, criador da alma, e de um deus do mal, criador do corpo. Proibia o casamento, para evitar a procriação e legitimava o suicídio.
Considerados como hereges pelo Concílio de Tours (1163), os albigenses foram duramente perseguidos pela Igreja. Em Minerva, 140 discípulos foram condenados à fogueira porque rejeitaram o catolicismo como religião “una” e “verdadeira”. Pelo menos 50 mil albigenses foram torturados e mortos pela cruzada conclamada pelo Papa Inocêncio III.
Orientais Ortodoxos: o grande cisma de 1054
A maior crise enfrentada pela ICAR se deu em 1054, ano em que a Igreja perdeu parte de seu domínio no Oriente. Por obra de Miguel Cerulário – que se tornou patriarca de Constantinopla em 1043 -, foi lançada sobre Roma a excomunhão. Isso ocorreu após a visita do cardeal Humberto, enviado a Constantinopla pelo Papa Leão IX, para resolver a polêmica da filioque – doutrina criada pelo Catolicismo Romano para descrever a relação do Espirito Santo com o Pai e o Filho, e que tinha a desaprovação de Cerulário. Ao tomar conhecimento da situação e vendo que não havia possibilidade de acordo, Humberto solicitou a excomunhão de Cerulário e de toda a Igreja Bizantina, que passou a ser conhecida como “Igreja Ortodoxa”.
As raízes do problema
O cisma entre ocidentais e orientais não ocorreu de maneira definitiva em 1054, mas vinha se arrastando desde 395 d.C. data em que o Império Romano se dividiu em dois: o romano, com sede em Roma, e o Oriental, com sede em Constantinopla (atual Istambul, Turquia). A partir de então, ocidentais e orientais iniciaram um processo gradual de afastamento, onde qualquer incidente – por mais insignificante que fosse – poderia ocasionar na ruptura defintiva dos impérios. Mesmo após a divisão do Império, os cristãos continuaram unidos pelos laços do catolicismo – embora que, na prática, existissem inúmeras diferenças entre as duas confissões. Apesar do esforço de alguns para manter a unidade – como no caso do teólogo Justiniano, que procurou unir o mundo oriental e ocidental pela religião – as diferenças aumentaram e, com elas, as suspeitas de ambos os lados. O que culminou com a ruptura definitiva.
Os principais motivos que levaram ao cisma
Além das disputas em torno do filioque, pelo menos três outros fatores contribuiram para o afastamento.
- Estevão Tavares Bettencourt cita como um dos principais motivos do afastamento, a distância entre as duas igrejas. “Além disso, falavam uns o grego e outros o latim; os costumes litúrgicos e a disciplina iam se diferenciando aos poucos. Ora, isso causou mal-entendidos e rivalidades crescentes entre cristãos bizantinos e cristãos latinos…” [4]
- A oposição dos papas ao cesaropapismo, ou seja, a intervenção do Estado (no caso, dos países orientais) nos negócios da Igreja. O termo “cesaropapismo” foi criado pelo jurista alemão Justus H. Boehmer (1674-1747)
- Em 726, Leão III, imperador do Oriente, preocupado com o avanço do islamismo, publicou um édito no qual proibia a adoração de imagens nas igrejas do oriente. A resposta de Roma viria pouco tempo depois. Em 23 de outubro de 787, a ICAR convocou o Segundo Concílio de Niceia, no qual foi definido que: “como a venerável e vivificante cruz, fossem levantadas as veneráveis e santas imagens… Quer dizer, as imagens do nosso Deus e salvador Jesus Cristo, da imaculada mãe de Deus, dos anjos principais, e de todos os santos e homens bons. Que essas imagens seriam tratadas como memórias santas, adoradas, beijadas, mas sem especial adoração que é reservada ao Eterno. Qualquer que violar esta provada tradição imemorial da igreja e procurar remover qualquer imagem à força, ou por astúcia, será deposto e excomungado, se for eclesiástico; se for monge ou leigo será excomungado”.
Divergências doutrinárias
Para que possamos compreender o foço existente entre cristãos bizantinos e latinos, é necessário conhecermos as treze principais divergências doutrinárias que caracterizam as confissões.
Igreja Católica
1. Defende a supremacia do Papa;
2. No Concílio Vaticano I (1870) foi aprovada a infabilidade papal, segundo a qual o Papa é infalível em matéria de fé e moral;
3. O Espírito Santo procede do Pai e do Filho (Filioque);
4. O purgatório é um lugar de purificação e/ou um lugar onde os pecados são purgados;
5. Defende a “imaculada” concepção de Maria, ou seja, que ela foi concebida sem pecado;
6. Após cumprir sua missão na terra, Maria ascendeu aos céus;
7. A tradição é mais importante que as Escrituras Sagradas.
Igreja Ortodoxa
1. É contra a supremacia do Papa, sendo um dos motivos da cisma em 1054;
2. Declara que o Papa não é infalível em matéria alguma;
3. O Espírito Santo procede apenas do Pai;
4. Desde 1232 rejeita o dogma do purgatório póstumo;
5. Embora reconheça a pureza de Maria, declara que ela foi concebida em estado de pecado original;
6. Nega a ascenção de Maria;
7. A tradição e as Escrituras Sagradas possuem o mesmo valor como fonte de revelação.
Outros reformadores medievais
Além dos movimentos surgidos a partir do Catolicismo Romano, também merecem destaque alguns líderes que, apesar de não terem constituído um grande número de seguidores, contribuíram sobremaneira com a defesa do Evangelho de Cristo e combate aos erros da ICAR. São eles:
Tanchelme da Antuérpia
Quem foi: As poucas informações disponíveis sobre Tanchelm revelam que ele – antes de ser conhecido como reformador religioso do século XII – serviu como monge ao lado do conde Roberto II, de Flandres e, posteriormente, com o duque Godofredo de Bulhão, na Palestina. Deixou as atividades sacerdotais para se dedicar à pregação do Evangelho, começando em Antuérpia, mas também ficou conhecido em Brahant, Flandres e Zelândia. Foi assassinado em Antuérpia por um padre fanático, quando estava em um bote com alguns dos seus discípulos.
Mensagem: Em suas pregações, Tanchelme condenava a Igreja Católica, a nulidade de todas as dignidades hierárquicas da Igreja, do Papa até o mais baixo clero, que a eucaristia estava contaminada por mãos indignas e que os dízimos não deviam ser pagos. [5]
Pedro de Bruys
Quem foi: Também conhecido como Pierre de Bruys e Peter Bruis, não se sabe ao certo quando e onde nasceu. No entanto, para alguns pesquisadores ele teria nascido por volta de 1095 em Canton Rosans ou em Pelvoux (Hautes Alpes, França). Outros apontam Bruys como sendo à cidade natal de Pedro. Serviu por alguns anos como sacerdote na diocese de Embrun, mas teria sido afastado de sua função e excomungado da Igreja por causa de sua oposição ao clero. Começando pela cidade de Yallonire (por volta de 1106), por quase vinte anos se dedicaria à pregação e combate aos erros da Igreja. Foi perseguido pelos prelados de Embrun, Gap e Die, quando teve que fugir para Gasgone (um principado no sudoeste da França). Por volta de 1126 foi preso e queimado em Saint Gilles.
Mensagem: Condenou o batismo infantil, a missa, as orações pelos mortos, as autoridades da Igreja, a veneração da cruz e boa parte da Bíblia (principalmente o Antigo Testamento)
Henry de Lausanne
Quem foi: Como os demais reformadores dos séculos XI e XII, são poucas as informações disponíveis sobre Henry de Lausanne, exceto que ele teria sido ordenado a monge na Abadia de Cluny (Borgonha, França) e exercido a função em Lausanne. Por volta de 1116 teria abandonado a vida monástica e incitado o povo contra o clero superior de Le Mans. É provável que Henry tivesse sido influenciado pelas ideias de Pedro de Bruys.
Mensagem: Não reconhecia a autoridade dos sacerdotes, a ordem monástica, o batismo infantil, o pecado original e a invocação dos santos.
Arnaldo de Brescia
Quem foi: Arnaldo nasceu na cidade de Brescia, norte da Itália, por volta de 1105 e morreu em 1155, em Roma. Estudou aos pés de Abelardo, na França, e recebeu as duas primeiras ordens eclesiásticas aos trinta anos de idade. Serviu no mosteiro de Mônaco. Após suas primeiras contestações ao catolicismo, foi perseguido e considerado como cismático pela ICAR. Também é provável que Arnaldo tivesse sido influenciado pelas ideias de Pedro de Bruys.
Mensagem: Pregava que a Igreja não deveria ter posses temporais, nem jurisdição; que a Igreja deveria voltar à simplicidade primitiva; rejeitava os sacramentos (exceto batismo e ceia do Senhor), a adoração aos mortos, o sacrifício na missa (transubstanciação) e defendia um Estado laico (sem interferência da Igreja no Estado e vice-versa).
A Igreja e os grandes desafios do século XXI
Após as crises enfrentadas durante a Idade Média, Moderna e início da Contemporânea, a ICAR mais uma vez se vê diante de um novo dilema: como conter o avanço das igrejas católicas cismáticas? Embora não se saiba ao certo o número de igrejas independentes, o que se tem de concreto é que a Igreja está passando por um processo acelerado de desfragmentação. A ideia de que a ICAR é “una” e que são os evangélicos os que possuem inúmeras denominações e grupos cismáticos, já não mais pode ser sustentada diante dos fatos que chegam todos os dias da América, Europa e África.
O fantasma que persegue a Igreja hoje não é mais o mesmo da era medieval, quando o Tribunal da Inquisição tinha plenos poderes para julgar e condenar os “hereges”. Os inimigos mais temidos pela Igreja não provém do Oriente Médio ou África, mas sim do seu próprio seio. A cada dia surgem novas igrejas e associações lideradas por padres casados e que foram proibidos de exercer o sacerdócio por discordarem de certas posturas do Vaticano, como o celibato obrigatório, as campanhas contra o aborto e a eutanásia, o direito da mulher de exercer cargo na Igreja, a infabilidade papal etc. Algo que também tem gerado conflito são as denúncias de abuso sexual e homossexualismo no clero e a proteção dada pela Igreja aos infratores.
Movimentos de Reforma
Movimentos como “Manifestação da Igreja” (com sede na Suíça) e Nós Somos Igreja (com sede em Roma) realizam constantemente protestos contra o Papa e pedem a liberalização da ICAR. Esses movimentos não visam criar novas igrejas, mas reformar a Igreja de dentro para fora. Querem uma nova Igreja, mas não uma nova placa. Vejamos, por exemplo, o que diz o Movimento Internacional Nós Somos Igreja.
“O Movimento Internacional Nós Somos Igreja, fundada em Roma em 1996, está empenhada na renovação da Igreja Católica Romana a partir do Concílio Vaticano II (1962 – 1965) e do espírito teológico desenvolvido a partir dele.Nós Somos Igreja evoluiu do referendo Igreja na Áustria em 1995, iniciada após o escândalo de pedofilia em torno do cardeal Viena Groer. Estamos presentes em mais de vinte países.Como os estudos de renomados sociólogos internacionais têm provado, Nós Somos Igreja é um movimento de reforma dentro da Igreja como a “voz do povo nos bancos…”
Tal é o objetivo do movimento Manifestação da Igreja, que no dia 8 de março de 2009 reuniu cerca de 1.500 pessoas em um protesto pelas ruas de Lucerna, Suíça, cujo lema “Entrar, em vez de sair” dirigiu-se a uma “Igreja dogmática, estreita, autoritária e estranha ao mundo”.
Movimentos Independentes
Outras não menos carismáticas partiram para a guerra total contra a IACR, como as Redes de Missões Católicas, a Igreja Católica Brasileira, a Igreja Católica Americana, a Igreja Católica Polonesa etc. que afirmam serem movimentos independentes de Roma, mas que “possuem” a validade apostólica.
Declarações
Vejamos algumas declarações que provam de maneira enfática o que estamos tentando provar aqui.
Igreja Católica Brasileira
“A Igreja Católica Brasileira é uma instituição religiosa, cismática (discordância de opiniões) da Igreja Católica Apostólica Romana, fundada em 6 de julho de 1945, por Dom Carlos Duarte Costa”.
Rede de Missões Católicas
“É um movimento da fusão de alguns grupos católicos não romanos, iniciado em 1980 e que unia padres e missionários de várias igrejas e até de alguns evangélicos. O mais conhecido deste movimento é o padre Jair Pereira. Tornou-se famoso pelo programa de rádio e TV “Hora da Eucaristia”.
Igreja Católica Americana
“Não estamos sob a jurisdição da Igreja Católica Romana e, como tal, não estamos sujeitos às suas leis e regulamentos”.
Igreja Católica Breakaway
“Os católicos não em comunhão com Roma.. embora conscientemente abrace a tradição católica, tem optado por se separar de Roma”.
Igreja Mariavete
“É uma organização independente cristã que surgiu da Igreja Católica da Polônia, na virada do século 20”.
Essas são apenas algumas das inúmeras igrejas e associações não – romanas, ou seja, não submetidas ao Vaticano. Poderíamos citar outras, tais como:
a) Com sede no Brasil. Igreja Católica Apostólica Carismática, Igreja Católica Apostólica Cristã, Igreja Católica Apostólica de Jerusalém, Igreja Católica Apostólica Ecumênica Contemporânea, Igreja Católica Apostólica Nacional, Igreja Católica Apostólica Tributária, Igreja Católica Ecumênica Renovada, Igreja Católica Apostólica Heterodoxa etc.
b) Com sede nos Estados Unidos: Paróquia Católica Nacional, Santa Perpétua y Felicidad Iglesia Católica, Divino Niño Santuário de Jesus, Igreja Rey de Reyes, Igreja Cristã Apostólica norte-americana, Igreja Católica de Cristo, Igreja Católica Ecumênica Americana.
c) Com sede no México: Igreja Católica Mexicana, Igreja Mexicana de Jesus, Igreja Católica de Nosso Senhor Jesus Cristo, Igreja Católica Apostólica Santo de Melo, Igreja Católica Apostólica Santo do México
A Maria Legio
No oeste do Quênia existe um movimento conhecido como Maria Legio (do latim “Legião de Maria”), fundado pela profetisa Luo Gaudencia Aoko e pelo profeta messiânico Blasio Simeo Malkio Ondetto. Segundo a Wikipédia em inglês, ambos foram excomungados pela Igreja Católica Romana em 1960 (eles pertenciam à diocese de Kissi, no distrito de South Nyanza).
Quando começou (em 1963), a Maria Legio possuía em torno de 90 mil adeptos. Em 1980 o número chegou a 248.000 mil. Segundo estimativas do governo queniano, atualmente existem cerca de 400.000 mil seguidores da Maria Legio. A sede fica na aldeia de Got Kwer, localizada a 15 km de Migori, Nyanza. Possui estrutura eclesiástica própria e o seu atual papa é o queniano Raphael Tito Otieno.
Ainda segundo a Wikipédia, a Maria Legio não é a única Igreja cismática do Quênia. Somente em 1966 foi registrada a existência de 160 igrejas independentes e com cerca de 600.000 mil seguidores.
O movimento dos padres casados
Uma das principais razões do surgimento de inúmeras igrejas cismáticas ao redor do mundo é o número cada vez maior de sacerdotes que saem ou são expulsos da ICAR por defenderem a não-obrigatoriedade do celibato. Segundo a Confederação Internacional de Padres casados, há pelo menos 150.000 padres casados nos cinco continentes. No Brasil, são em torno de 5 mil. A Associação Rumos é a principal representante da categoria no Brasil. Ela se define da seguinte maneira:
“A Associação Rumos foi fundada em 16 de Agosto de 1986, na cidade de Brasília, Distrito Federal, para congregar os padres, oriundos do clero da Igreja Católica Romana no Brasil, que deixaram o exercício do ministério sacerdotal para casar. É uma sociedade civil de direito privado, de âmbito nacional, com finalidades assistenciais, filantrópicas, culturais e educacionais, sem fins lucrativos, com sede e foro em Brasília.Representa os mais de cinco mil padres casados do Brasil e suas famílias, que formam o Movimento das Famílias dos Padres Casados (MFPC). A Associação Rumos foi criada para servir ao MFPC como personalidade jurídica, estrutura e objetivos determinados, de acordo com as exigências legais do país.Sendo assim, a Associação Rumos tem como objetivo ser o suporte jurídico e financeiro do Movimento das Famílias dos Padres Casados – MFPC, além de promover a mútua ajuda entre os associados, contribuindo para a sua realização pessoal, familiar, profissional e religiosa, cultivando a amizade entre os padres egressos do ministério e suas famílias.” [10]
Assim como a Rumos, inúmeras outras associações atuam em diversas partes do mundo na defesa da não – obrigatoriedade do celibato e são apoiadas por igrejas como a Igreja Católica Americana, a Igreja Católica Polaca e movimentos de reforma da ICAR. Entre as associações mais conhecidas, destacamos quatro.
1. Associação dos sacerdotes e suas esposas (Alemanha)
2. Movimento Pró-Celibato Opcional (Espanha)
3. Ora ET Labora (Itália)
4. Associação Fraternitas Movimento (Portugal)
O caso do Padre Oprah
Nos Estados Unidos, o padre Alberto Cutié – popularmente conhecido como Padre Oprah -, desligou-se da Igreja Católica Romana e passou a exercer o sacerdócio na Igreja Episcopal após ter sido pego com uma mulher. Segundo o New York Times, fotografias divulgadas em um tablóide de língua espanhola revelaram um sacerdote de 40 anos, deitado ao lado de uma mulher de cabelos escuros em uma praia da Flórida. O caso serviu para que reacendesse o debate em torno do celibato obrigatório. [7]
Autor de vários livros e apresentador do programa “Padre Alberto”, Cutié ficou conhecido como “Padre Oprah” por causa de seus conselhos sobre amor e relacionamento. Em entrevista a uma emissora de TV de Miami, defendeu que os padres deveriam se casar por ser essa uma opção mais saudável. De origem porto-riquenha, mas criado em Miami, Cutié optou pela vida sacerdotal aos 18 anos de idade.
Uma Igreja e várias faces
Pelo o que vimos e provamos no texto acima, a Igreja Católica Apostólica Romana não é nenhum exemplo de “unidade” e/ou “comunhão” de irmãos. Contrariando o Credo Niceno-Constantinopolitano, a Igreja está dividida em inúmeras ramificações e enfrenta movimentos de reforma em seu próprio seio, que podem resultar em novas igrejas ou movimentos independentes.
As denúncias de pedofília e homossexualismo no clero, somado ao crescente número de padres que são expulsos da Igreja por optarem pela não-obrigatoriedade do celibato, são também exemplos de que a ICAR não é nem de longe um movimento “sadio” ou “unificado”.
Também há os casos de brigas internas, como acontece entre jesuítas e adeptos do Opus Dei. Na década de 1940, alguns jesuítas, liderados pelo teólogo Angel Carrilo de Albornoz, denunciaram o Opus Dei por “ensinar uma nova heresia”. Daí em diante, tradicionalistas e conservadores seguiram o exemplo ao denunciar o avanço do movimento carismático e da Teologia da Libertação. São alguns exemplos do que acontece por trás daquela que se diz a “única” e “verdadeira” Igreja de Cristo.
Referências Bibliográficas
1. Crenças, religiões, igrejas & seitas: quem são? Estevão Tavares Bittencourt, pág. 11
2. Ibidem, pág. 12
3. Toda a História, José Jobson de Arruda e Nelson Piletti, pág. 115, Ed. Ática
4. Crenças, religiões, igrejas & seitas: quem são? Estevão Tavares Bittencourt, pág. 16
5. Investigando os Arquivos secretos da Inquisição
6. fratresinunum.com
7. http://www.nytimes.com/2009/05/07/us/07priest.html?ref=us
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