19 de julho de 2014
Carta Aberta a Ariovaldo Ramos
Thiago
Cortês
Caro pastor Ariovaldo,
Eu o vi pela primeira em um evento
na Faculdade Latino Americana de Teologia Integral (FLAM), em Arujá, onde
resido com minha família. Na hora do louvor, lembro de ter ouvido o senhor
cantando bem desafinado – como todo bom batista.
Hugo Chavez e Ariovaldo Ramos |
Naquela ocasião o senhor explicou
porque havia ido para Caracas com um grupo de brasileiros para oferecer seu
apoio a Hugo Chávez, que havia sido deposto. Lembro que, na entrevista, sua
defesa de Chávez foi baseada em seu compromisso com a democracia.
Eu era jovem demais e fiquei impressionado
com suas ideias. A sua preocupação com as questões sociais me fez imaginá-lo
como um profeta moderno. Fui atrás dos seus artigos, entrevistas, incluindo uma
reportagem especial no Le Monde Diplomatique Brasil.
Imaginei que o senhor fosse um paladino
da liberdade e da democracia – e que sempre reagiria ao autoritarismo
independentemente de seus compromissos ideológicos.
George Orwell, por exemplo, era
socialista, mas comprometido com a verdade em qualquer circunstância. Não
hesitava em dizer a verdade mesmo quando ela ofendia seus camaradas e lhe
causava problemas. Imaginei que o senhor pertencesse a tal tradição…
Porém, desde que o regime
venezuelano se voltou contra estudantes e trabalhadores que divergem de Nicolás
Maduro, o senhor não diz uma palavra sobre a Venezuela.
As igrejas e os cristãos
dissidentes venezuelanos têm sido atacados apenas porque divergem do regime. Em
São Martinho de Tours, o principal templo da
região foi atacado por membros do grupo Juventude Bicentenária de La Vitória,
auspiciado pelo governo de Nicolás Maduro.
Não entendo o seu silêncio. Por favor, me explique!
A Conferência Episcopal Venezuelana declarou que
Nicolás Maduro tenta impor um governo totalitário na Venezuela. Mas não é
apenas a comunidade cristã que tem sofrido. Os opositores do governo vivem
entre a cadeia e a repressão nas ruas.
Quando esteve na Venezuela, o senhor foi recebido por autoridades
de Estado e pelo então presidente Hugo Chávez. Por que o senhor não volta lá
agora para visitar os cristãos opositores que estão nas cadeias e nos
hospitais?
Caro Ariovaldo, por que o senhor não fala dos irmãos perseguidos na Venezuela?
O senhor sempre falou em momentos
de crise e tomou posições claras. O senhor falou contra a deposição do presidente do Paraguai, contra a Guerra
do Iraque, e até bradou contra a ação da PM no Pinheirinho, que o senhor
classificou de “massacre”.
(Na verdade, ficou provado ser falsa a informação de que sete pessoas
haviam sido assassinadas pela Polícia no Pinheirinho. Mas o senhor nunca se
retificou.)
Por outro lado, a polarização
ideológica na Venezuela resultou em um massacre de verdade, com vítimas dos dois lados. São centenas de estudantes
e trabalhadores presos, dezenas de mortos e outros desaparecidos. Mas
deste massacre real o senhor não fala.
Caro Ariovaldo, por que o senhor emudece diante do caos venezuelano?
Isso é muito triste, caro
Ariovaldo. Penso que toda pessoa decente deve condenar regimes autoritários,
independente de qualquer preferência ideológica ou partidária.
Os seus séquitos afirmam que o
senhor é bem intencionado. Por isso, ainda que defenda dogmas ideológicos dos
chavismo – e mesmo o regime chavista! – não merece ser cobrado pelas
conseqüências concretas das ideias e dos governos que defende.
Em outras palavras, o senhor pode
defender o que quiser nas igrejas, na mídia, diante do nosso povo e ninguém tem
o direito de cobrá-lo qualquer responsabilidade.
Isso me leva a outra questão: a sua
definição de cristão.
Em uma entrevista sobre suas posições políticas, o senhor
dá a entender que o cristão verdadeiro é aquele que têm os dogmas ideológicos
de um militante de esquerda.
Fiquei decepcionado com sua visão
simplista da realidade.
Frank Britto, do blog Resistir
e Construir, fez uma brilhante desconstrução dessa mistura entre
Evangelho e socialismo. Ele anota a diferença entre as ordenanças
bíblicas para que busquemos a justiça e a ideia secular de que os governos
devem buscar tais fins.
“O
problema de Ariovaldo Ramos é presumir – sem qualquer razão ou justificativa
bíblica ou racional – que o fato do cuidado dos desamparados ser uma ordem de
Deus enfatizada por toda a Bíblia signifique que seja responsabilidade do
governo civil fazer com que tal ordem deva ou que sequer possa ser cumprida”
Frank explica: “Ariovaldo Ramos faz
de conta que existe a responsabilidade bíblica de que isso se cumpra por meio
da imposição do governo civil, ainda que não exista qualquer ordem, mandamento
ou evidência bíblica a respeito disso.”
E isso me conduz ao último e não
menos importante tópico desta carta: o seu recente apoio a Política Nacional de
Participação Social (PNPS), que submete todos os órgãos da administração
federal a conselhos de “representantes da sociedade civil”.
A PNPS prevê a criação de “conselhos
populares” formados por integrantes de “movimentos sociais” que poderão opinar
sobre os rumos de órgãos e entidades do governo federal
Caro Ariovaldo, acredito que o
senhor tenha experiência de vida e conhecimento histórico suficientes para
entender que a democracia é frágil e pode ser seqüestrada por grupos
organizados, principalmente se estes são financiados pelo partido no poder.
Lembro que o senhor rechaçou, com
toda a razão, a afirmação ingênua de conservadores segundo os quais Marco
Feliciano representava os evangélicos.
Mas o senhor acredita que
movimentos de ultraesquerda representam o povo?
Isso também seria muito ingênuo.
Todas as pesquisas sérias apontam um fato indigesto para os grupos de esquerda:
a população é majoritariamente conservadora, quer, entre outras
coisas, a diminuição da idade penal e punição exemplar aos corruptos.
Os tais movimentos sociais (todos
eles financiados com verbas públicas) que ocupariam os conselhos “populares”
estão umbilicalmente ligados a uma agenda de ruptura social que claramente não
representa a vontade da maioria da população.
Os conselhos “populares” nada
teriam de populares: seriam apenas mecanismos para dar poder a movimentos
sectários e minoritários que não têm qualquer força eleitoral.
Alexis de Tocqueville alertava que
o risco da democracia é que ela se suicide.
O senhor não pensa que é preciso ter mais prudência?
Os seus artigos e aforismos
poéticos estão cada vez mais carregados de utopismo:
“Eu
quero o socialismo dos crentes que, em meio à marcha dos trabalhadores e,
diante do impasse do confronto com as forças do estabelecido, grita ao
megafone: companheiros, avancemos! Deus está do nosso lado!”
Em nome de ideais utópicos, o
senhor estimula os crentes a avançar contra a Polícia?
Caro Ariovaldo, isso não o faz
lembrar dos jacobinos? Eles prometiam liberdade, igualdade e fraternidade, mas
depois da Revolução Francesa entregaram um banho de sangue. E depois de tanto
louvor à liberdade, o poder foi acabar nas mãos de Napoleão Bonaparte…
Sou jovem (ainda), mas aprendi que
a natureza humana não permite que sonhemos com a construção de um Paraíso na
Terra. Acredito que isso sequer tem base bíblica.
Nós somos seres caídos, desprovidos
de sabedoria e virtudes, incapazes de produzir nada perfeito com nossas mãos. O
Reino de Deus não pode ser forjado por nossos governos.
É estranho que o senhor, um pastor,
aparentemente não pense assim.
Ao apoiar a criação de conselhos
“populares” que fortalecem movimentos que não passam corrente de transmissão da
agenda da ultraesquerda e do partido no poder, o senhor contribui para colocar
nossa jovem e frágil democracia em perigo.
O senhor não percebe isso?
Infelizmente, a poesia e as boas
intenções não são suficientes, caro Ariovaldo. É preciso prudência e humildade
na política, afinal, fazer política é lidar com a vida dos outros!
Karl Popper e outros pensadores que são
referências na ciência política defendem que a democracia não existe para nos
conduzir a um futuro utópico, mas para evitar males concretos como o conflito
fratricida pelo poder e a conseqüente ruptura do tecido social.
A democracia, dizia o velho Popper,
é um regime que descarta a perfeição e nos permite a convivência entre grupos
com interesses antagônicos através da alternância pacífica deles no poder.
Democracia, caro Ariovaldo, não é o regime dos sonhos: apenas previne os
pesadelos.
O manifesto de apoio a PNPS – que o senhor assinou –
cita uma frase do teólogo Reinhold Niebuhr: “A capacidade do homem para
praticar a justiça torna a democracia possível; mas a inclinação do homem para
a injustiça torna a democracia necessária.”
O senhor deve saber que Niebuhr,
embora tivesse posições políticas liberais, era um conservador moral que criticava o “excesso de otimismo” dos liberais que
negam as implicações de uma natureza humana corrompida desde o pecado original.
Infelizmente, caro Ariovaldo,
parece ser este o seu caso. O senhor não considera o pecado original, tampouco
nossa natureza viciada em poder, status, egoísmo. Dar poder demais a alguns
homens supostamente bondosos é uma receita para a tragédia.
O ex-presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF) Carlos Velloso, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale, o jurista
Valmir Pontes Filho (que preside Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem
dos Advogados do Brasil), entre outros juristas, enxergam esse risco.
Se o senhor insistir com a falácia
de que os tais conselhos servem para “aprofundar a democracia”, respondo com um
dado histórico importante: eles foram criados em 1937, ou seja, no ano em que o
Brasil caiu na ditadura do Estado Novo.
Caro Ariovaldo, só o que peço é que
o senhor reflita – sobre os fatos, os dados históricos, o nosso estado de
decadência moral oriundo do pecado original – e retire o seu apoio aos
conselhos “populares” e toda a agenda dos grupos que querem a ruptura social.
E assim, talvez, o senhor evite
entrar para a História como parte de um grupo de cúmplices de um golpe contra a
nossa jovem democracia.
Abraços fraternais,
Thiago Cortês
Fonte:
GospelPrime
Divulgação:
www.juliosevero.com
Leitura
recomendada:
Ariovaldo
Ramos na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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