17 de julho de 2014
Os sovietes de Ariovaldo Ramos
Thiago
Cortês
É atribuída ao velho Karl Marx a
frase que sintetiza o perigo das pessoas que se acham puras e, por isso, no
direito de decidir nosso futuro: “O caminho para o inferno está pavimentado de
boas intenções”.
Eu me lembro da frase toda vez que
ouço ou leio alguma declaração, abaixo-assinado, manifesto, grito de
guerra, Et Cetera, do pastor Ariovaldo Ramos. Ele é um campeão na modalidade
“apoiando as piores ideias com as melhores intenções”.
O seu último presente ao Brasil foi
a
adesão ao manifesto de lideranças “evangélicas” que está sendo distribuindo
entre os congressistas, incitando-os a apoiarem o decreto da presidente
Dilma que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS).
Oficialmente, a PNPS visa
“fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas”, mas, na
prática, submete os poderes constituídos a conselhos populares formados por
entidades que dizem representar a sociedade civil (meia dúzia de militantes).
Mesmo os aliados tradicionais de
Dilma como o peemedebista Henrique Alves, atual presidente do Congresso, se
posicionaram fortemente contra o PNPS, com objeções racionais e legítimas.
Todos se assustaram com a hipótese de sovietização da democracia brasileira.
Henrique Alves afirmou que, ao
impor a órgãos e entidades da administração pública direta e indireta o dever
de considerar a opinião dos conselhos populares na formulação de políticas
públicas, o decreto presidencial invade prerrogativas do Congresso Nacional.
Aliados dos petistas, cientistas
políticos, jornalistas, sociólogos e gente pensante de todo tipo se levantaram
contra os sovietes da presidente Dilma. Menos o bondoso Ariovaldo Ramos, para
quem os tais sovietes são um aperfeiçoamento da nossa jovem democracia.
Um dos mecanismos do Política
Nacional de Participação Social é a mesa de diálogo, que viabilizaria debate e
negociação com a participação de “setores da sociedade civil e do governo
diretamente para mediar e solucionar conflitos sociais”.
Ou seja, não precisamos mais da
Justiça do Trabalho para mediar os conflitos entre segmentos sociais com
interesses antagônicos, como índios e proprietários de terra, porque tudo
poderá ser mediado pelos companheiros bondosos dos “sovietes do bem” de
Ariovaldo.
O mais interessante é pensar que
meia dúzia de militantes em um fórum de conselhos quer se arrogar o direito de
representar toda a sociedade civil na discussão das ações da administração
pública. Eles acham que podem. E somos antidemocratas se não deixarmos!
Para usar a terminologia marxista,
os conselheiros formariam uma espécie de vanguarda da sociedade civil. Não tem
como ser diferente, afinal, é impossível que toda a sociedade seja representada
nos conselhos. Somos muitos e com interesses divergentes.
Não temos tempo para deixar nosso
cotidiano de trabalho e estudos para ir a conselhos dominados por militantes
bem articulados, na maioria das vezes pagos por partidos, para tentar nos fazer
ouvir toda a vez que algo importante seja discutido no Brasil.
Para isso já elegemos
parlamentares. Isso não parece ser suficiente para Ariovaldo Ramos. Ele é
professor da Faculdade Latino Americana de Missão Integral (FLAM), em Arujá (SP),
pequena cidade onde resido com minha família e administramos um
modesto jornal local.
Pois na minha pequena
cidade existem centenas de grupos com vários interesses antagônicos.
Leia-se: nem em Arujá esses conselhos soviéticos de Ariovaldo resolveriam
alguma coisa!
Um trecho do manifesto assinado por
Ariovaldo Ramos afirma:
“A capacidade do homem para
praticar a justiça torna a democracia possível; mas a inclinação do homem para
a injustiça torna a democracia necessária.”
Ou seja, na visão de Ariovaldo e
outros “evangélicos” pró-sovietes, a democracia precisa cumprir alguma missão
nobre e utópica como combater a injustiça para ser legitimada.
Não sei se em sua cruzada
quixotesca pelo Paraíso na Terra o pastor Ariovaldo Ramos teve tempo de ler
algum autor sério de ciência política ou sociologia. Isso seria salutar.
O filósofo Karl Popper definia a
democracia por via negativa: ela serva para evitar certos males, e não para
promover fins utópicos. Ela nega a utopia para preservar a convivência pacífica
entre homens com diferentes valores, objetivos e ideologias.
Popper entendia que a democracia é
simplesmente uma forma de impedir que algum desses homens se torne poderoso
demais. Consoante com o melhor da tradição judaico-cristã, o ateu Popper
entendia que o homens são limitados em virtudes e sabedoria.
O que Karl Popper defendia já era
ensinado pelas Sagradas Escrituras: “Assim diz o Senhor: Maldito o homem
que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do
Senhor!” (Jeremias 17:5-6).
Mas o bem-intencionado Ariovaldo
Ramos entende que somos sábios e virtuosos o suficiente para brincar com a
democracia de acordo com nossos desejos utópicos.
Caso não tenha tempo de ler alguma
coisa séria em ciência política (como “A Sociedade Aberta E Seus Inimigos”),
recomendo a Ariovaldo que leia um pouco mais a Bíblia.
Fonte:
GospelMais
Divulgação:
www.juliosevero.com
Leitura
recomendada:
Líderes evangélicos reivindicam
ditadura socialista no Brasil
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