Olavo de Carvalho e a Inquisição
Julio Severo
A Inquisição é um mito e lenda, insiste o filósofo Olavo de Carvalho, que disse hoje:
“Sem a lenda negra da Inquisição, as igrejas protestantes jamais teriam alcançado o sucesso que alcançaram. Quem não quer fugir das mãos sangrentas de torturadores para os braços de Nosso Senhor? A lenda é elemento integrante do prestígio protestante e, se ela cair, ele cai junto. É por isso que tantos se apegam a ela não apenas sem provas, mas contra as provas.”
Ele tem muitos outros comentários pró-Inquisição e críticas aos protestantes dos EUA por sua “propaganda” alegadamente injusta contra a Inquisição. Todos os seus comentários e críticas são publicados somente em português. Aos protestantes, ele disse hoje:
“Não tentem se limpar na sujeira alheia. Iluministas e comunistas receberam o mito da Inquisição prontinho da mão dos protestantes e só o repassaram.”
Em outro comentário feito hoje, ele comparou a “propaganda como de guerra” dos protestantes contra a Inquisição com a “revolução cultural” comunista travada contra o governo militar no Brasil. Então, na opinião dele, protestantes e comunistas estão trabalhando de mãos dadas.
Enquanto todos estão focados no atentado terrorista islâmico numa boate homossexual em Orlando, nos EUA, Olavo está criando, com vários comentários pró-Inquisição hoje, uma distração e divisão desnecessária e insensata entre protestantes e católicos posando como combatente contra a “lenda” protestante da Inquisição.
Muitas vezes Olavo menciona escritores revisionistas, inclusive Edward Peters, como sua referência principal ao atacar essa “lenda.” Fico imaginando se para falar sobre o Holocausto que os nazistas cometeram contra os judeus ele usaria como referência um autor revisionista, que igualmente sustenta que o Holocausto foi um mito e lenda…
Os judeus também foram vítimas
Por que sua insistência em retratar os protestantes dos EUA como propagandistas malignos, semelhantes aos comunistas, exclusivamente por amor à Inquisição? Por que não incluir os judeus também?
Em 2013, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu se encontrou com o Papa Francisco no Vaticano, e deu ao líder da Igreja Católica “The Origins of the Inquisition in Fifteenth Century Spain” (As Origens da Inquisição na Espanha do Século Quinze), um livro que em grande parte gira em torno de católicos espanhóis questionando, torturando e castigando judeus, expondo como milhares deles foram expulsos da Espanha ou queimados vivos na estaca.
A Revista Judaica (Jewish Journal) disse que “As Origens da Inquisição na Espanha do Século Quinze,” uma obra-prima acadêmica e um tomo minucioso sobre a Inquisição da Espanha, descreve como a Igreja Católica perseguia, e muitas vezes executava, multidões de judeus.
O Business Insider comentou que “é importante pensar no contexto do livro, que foi escrito Ben-Zion Netanyahu, pai de Netanyahu. Ben-Zion era um historiador conceituado que trabalhava na Universidade Hebraica de Jerusalém e na Universidade Cornell nos EUA.”
A CBS News disse: “Ben-Zion Netanyahu, pai de Netanyahu, era um historiador israelense… melhor conhecido em círculos acadêmicos por suas pesquisas acerca da Inquisição da Igreja Católica contra os judeus da Espanha na Idade Média.”
Historiador católico expõe a realidade da Inquisição
O renomado historiador católico Paul Johnson, em seu livro “A History Of Christianity” (“Uma História do Cristianismo,” publicado no Reino Unido em 1976), disse acerca da Inquisição:
“Sendo difícil garantir condenações de crimes de opinião, a Inquisição usava procedimentos banidos em outros tribunais… Os nomes de testemunhas hostis eram rejeitados, informantes anônimos eram usados, as acusações de inimigos pessoais eram permitidas, ao acusado era negado o direito de defesa ou de advogado de defesa; e não havia apelação jurídica. O objetivo, muito simplesmente, era produzir condenações a qualquer custo; só assim, pensava-se, daria para se extinguir as heresias.”
“Muitos países não admitiriam de forma alguma a existência da Inquisição… Havia a destruição de registros.”
“Na Espanha, os reis católicos, por meio de seu instrumento da Inquisição, exterminaram o protestantismo na década de 1550.”
“A Inquisição era um instrumento popular, dirigido contra os judeus…”
“A Inquisição foi estabelecida em Roma, sob o fanático cardeal papista Caraffa (que mais tarde se tornou o Papa Paulo IV), cujos lemas eram: ‘Ninguém deve se rebaixar mostrando tolerância a qualquer espécie de herético, muito menos um calvinista’; e ‘Mesmo que meu próprio pai fosse um herético, eu ajuntaria a lenha para queimá-lo.’”
“A Inquisição… demonstrou ser duradoura, em grande parte porque se financiava com as propriedades confiscadas dos condenados. O fato de que precisava de dinheiro para suas operações significava que tinha de garantir condenações. Daí o uso da tortura.”
“A Inquisição finalmente teve um esgotamento financeiro no final do século XVIII, e desse ponto em diante ficou moribunda, embora não abolida na prática até 1834. A última execução oficial por heresia na Espanha foi em 1826, quando um diretor de escola foi enforcado por tirar o ‘Ave Maria’ e colocar no lugar ‘Louvado Seja Deus’ nas orações escolares.”
“[Os países protestantes] podiam até ter religiões estatais, mas eles tendiam a ser mais tolerantes. Eles raramente faziam perseguições sistemáticas. Eles não tinham o equivalente da Inquisição. Eles não eram clericalistas. Eles permitiam a circulação de livros com mais liberdade. Eles não oprimiam o livre comércio com leis canônicas. Eles aceitavam que as pessoas praticassem sua religião de forma ‘privada’ e colocavam o casamento e a família no centro dela. Eles estavam assim mais compatíveis com o sistema capitalista. Como resultado, com o desenvolvimento do sistema capitalista as sociedades protestantes pareciam muito mais prósperas do que as católicas.”
Olavo se importaria que a fonte desse material é católica?
Num vídeo público, que postei no meu Facebook, Olavo declarou que todos os instrumentos de tortura da Inquisição nos museus no mundo inteiro foram inventados.
No vídeo, ele explica acerca de retratações anticatólicas, especialmente anti-Inquisição, na indústria cinematográfica e que muito embora a maioria dos produtores seja de judeus, a tendenciosidade anticatólica e anti-Inquisição deles é inspirada por protestantes — como se os judeus nunca tivessem tido sua própria história e nunca tivessem sido torturados e assassinados pela Inquisição.
Pelo menos, o FBI não tortura
Pelo menos, o FBI não ameaçou torturá-lo ou queimá-lo vivo na estaca. Contudo, o medo do Olavo foi sem base: o FBI disse oficialmente que não havia feito nada contra ele.
A Inquisição não torturava?
Olavo minimiza a gravidade dos horrores da Inquisição no seguinte comentário público:
“Até mesmo na imagem popular das fogueiras da Inquisição a falsidade domina. Todo mundo acredita que os condenados "morriam queimados", entre dores horríveis. As fogueiras eram altas, mais de cinco metros de altura, para que isso jamais acontecesse. Os condenados (menos de dez por ano em duas dúzias de países) morriam sufocados em poucos minutos, antes que as chamas os atingissem.”
Ele também disse:
“O mito da Inquisição foi a mais vasta e duradoura campanha de calúnia e difamação de todos os tempos, dura até hoje, com financiamento milionário, e parece que não vai acabar nunca. Quem a inventou não foram iluministas nem comunistas. Foram protestantes, que continuam a promovê-la até agora, tendo como centro irradiante as igrejas dos EUA..”
Ele disse que o protestantismo foi o primeiro movimento revolucionário (de orientação marxista) na história. (É claro que, nessa perspectiva, a Inquisição estava totalmente justificada contra esses pioneiros “marxistas”!)
Sua referência insistente da Inquisição como um “mito” e “lenda,” retratando os protestantes americanos como propagandistas malignos, parece premeditada para semear caos no relacionamento conservador entre católicos e protestantes no Brasil. Maçons e outros ocultistas também usam o caos para impor sua ordem mais tarde.
Ainda que os membros mais proeminentes de seu instituto — o Instituto Inter-Americano — sejam protestantes e ele dependa deles para a promoção do seu nome nos EUA, ele publicamente chamou Lutero e Calvino de dois “filhos da puta.”
Por causa da minha oposição à Inquisição e à defesa pública que ele faz em favor de um revisionismo da Inquisição, ele tem me chamado de nomes mais sujos do que isso.
Lamentavelmente, todas as posturas pró-Inquisição e palavrões dele contra Lutero e contra mim estão disponíveis apenas em português.
Seja como for, um homem que exalta as virtudes da máquina assassina da Inquisição não deveria ter medo do FBI. Pelo menos, lhe poupariam de ser torturado e assassinado.
Um histórico esotérico nebuloso
Leitores católicos inocentes poderiam entender erradamente Olavo como um católico, mas antes de escolher se apresentar como filósofo conservador que prediz tendências e eventos políticos, ele era um famoso astrólogo (e fundador e diretor da primeira escola de astrologia do Brasil) que predizia tendências e eventos políticos.
Duas semanas atrás, Reinaldo Azevedo, que, como Olavo, se considera católico, expôs numa matéria da Veja o passado do Olavo como professor de astrologia e adepto do misticismo islâmico de René Guénon. Reinaldo é colunista da revista Veja. Ele expôs o Olavo principalmente por causa da insistência dele de atacar líderes que ajudaram nas campanhas em massa em prol do impeachment da presidente marxista Dilma Rousseff.
Discordo da cosmovisão espiritual católica, mas aqui um católico nominal está criticando outro católico nominal com um proeminente histórico ocultista.
A hipocrisia de ativistas brasileiros
Uma característica comum nos ativistas brasileiros é a hipocrisia. Durante o governo militar no Brasil, ativistas esquerdistas, que se queixavam do capitalismo, escolheram exílio na Inglaterra, Suécia e até nos Estados Unidos, a nação mais capitalista do mundo. Então, esses anticapitalistas escolheram viver nas nações mais capitalistas do mundo.
Olavo frequentemente se queixa do protestantismo (não só do protestantismo liberal, mas do protestantismo como um todo, principalmente o protestantismo americano), mas escolheu exílio na nação mais protestante do mundo. Por que um homem que se queixa do protestantismo escolhe escapar da maior nação católica do mundo e viver na nação mais protestante do mundo?
O Instituto Inter-Americano e seu diretor boca suja
Aliás, por que ele escolheria fundar, com a ajuda de protestantes americanos, o Instituto Inter-Americano, composto de uma mistura quase que meio a meio de protestantes e católicos? Um membro do instituto dele, que permanecerá anônimo, me disse que desculpar a Inquisição e sua tortura e assassinato de judeus e protestantes é a mesma coisa que desculpar a Planned Parenthood e sua tortura e assassinato de bebês em gestação. Planned Parenthood é a maior e mais antiga rede de clínicas de aborto dos EUA.
Como esses membros ficarão sabendo das ideias dele se ele expressa publicamente seus absurdos somente em português, uma língua que eles não falam?
Geralmente ele usa palavrões para criticar socialistas e conservadores. Ele desculpa sua linguagem suja e porca dizendo:
“Nos EUA só quem diz palavrões é a esquerda. Basta isso para explicar por que os conservadores, mesmo quando têm maioria, estão sempre em desvantagem.”
“Nos filmes de Hollywood, em cada três palavras duas são ‘fuck.’ É isso o que isola e debilita os conservadores.”
“Lênin já sabia que, na política, quem xinga mais sempre leva vantagem.”
Para o Olavo, os conservadores americanos estão perdendo a guerra cultural porque recusam linguagem suja!
Ele desculpa sua língua porca como uma “estratégia” porque, de acordo com ele, Vladimir Lênin a usou com sucesso para propagar o marxismo soviético, e ele espera alcançar o mesmo sucesso empregando a mesma linguagem e truques sujos para propagar seu “conservadorismo.” Entre seguir Lênin e os conservadores americanos, ele prefere Lênin. Aliás, “conservadorismo” de boca imunda é a marca registrada dele no Brasil.
Mas sua “estratégia,” alegadamente uma arma contra socialistas, é também usada para atacar conservadores brasileiros que ele sente ameaçam suas opiniões. Quando eu, um evangélico conservador, discordei dele acerca da Inquisição católica, que ele diz que não torturava judeus e protestantes pelo “crime” de opiniões diferentes, a boca porca dele não me poupou nenhum abuso, insulto e difamação.
Estridência antimarxista: uma capa?
Ele tem outras incoerências. Por exemplo, suas posturas virulentamente anti-Rússia são um contraste acentuado com seu endosso oportunista ao candidato presidencial Trump pró-Putin. É oportunista porque geralmente ele acusa de modo implacável conservadores pró-Rússia de “agentes da KGB.” Seu discurso é muito semelhante aos discursos dos neocons. Expus essa incoerência no meu artigo: “Trump é um agente da KGB?”
Se sua estridência “filosófica” fosse reservada somente aos russos, ele nunca compararia os protestantes americanos contra a Inquisição com os comunistas.
Será que toda essa estridência é para defender o catolicismo ou usá-lo? No mês passado, Olavo se gabou de que a única iniciativa séria para compreender a estratégia comunista na América Latina foi o Grupo de Estudos Ibn Khaldun, em homenagem a um muçulmano árabe. Esse grupo secreto foi criado pelo Olavo em 2003. Uma estratégia antimarxista que ao mesmo tempo homenageia muçulmanos tem alguma aparência católica?
Olavo tem sido visto como um “profeta” e “salvador” por seus seguidores no Brasil, mas seu antimarxismo salvará o Brasil?
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