O Mandela militante
10/12/2013 13:19
Por Rui Martins, de Genebra
A luta contra o apartheid foi longa, difícil e dolorosa e Cuba e os comunistas foram importantes aliados durante a Guerra Fria.
De repente, Nelson Mandela virou um santo e a quase unanimidade mundial louvou apenas o homem da pacificação, do entendimento, do consenso e isso parece significar que muita gente perdeu o começo do filme.
O jovem Nelson Mandela era comunista e dirigia o ANC, Congresso Nacional Africano, na luta armada contra uma das coisas mais vergonhosas da nossa época – a segregação racial dos negros, o apartheid.
O rosto tranquilo do velho Mandela promovido a ícone mundial não significa que sua batalha em favor do reconhecimento da igualdade dos negros na África do Sul, explorados e humilhados por 10% da população, os brancos vindos da Holanda e Inglaterra, tenha sido fácil e tranquila. Houve atentados, houve mortes de culpados e inocentes, houve torturados e desaparecidos, até a ONU decretar um embargo contra a África do Sul e até a pressão mundial, provocada pelo ANC, levar ao fim do apartheid.
Sem a determinação do combatente Mandela, sem a luta constante do ANC, espalhando a insegurança entre os brancos, a África do Sul ainda seria hoje a mesma dos boers, sem a contribuição de Kadhafi e de alguns outros líderes árabes, sem o apoio político de Cuba, não teria havido recursos para o ANC continuar sua campanha, que começou e se radicalizou quando o governo racista de Botha massacrou manifestantes negros desarmados, em Soweto.
Sem a coragem, o carisma e a força ideológica de Mandela, preso mas inflexível, não teriam tido o mesmo impacto os livros de André Brink, J.M. Coetzee, prêmio Nobel de Literatura, a luta do jovem Steve Biko, assassinado pelo Doi-Codi sulafricano, por se inspirar nos Black Panthers mas igualmente em Aimé Cezaire e Leopold Senghor.
Não se pode esquecer nas homenagens a Mandela suas posições políticas bem claras de um homem de esquerda. Assim, Mandela condenou George Bush pai por sua guerra contra o Iraque e pelo genocídio que prenunciava, assim como o Bush filho, que destruiu o Iraque.
Embora exista hoje uma quase unanimidade em torno de Mandela, não se pode esquecer que as igrejas protestantes sul-africanas fizeram uma interpretação própria da Bíblia pela qual os negros eram descendentes de Cam, amaldiçoado pelo pai Noé, e assim justificavam sua exclusão, como no passado tinham justificado a escravidão.
Posição diversa tinha adotado o Conselho Ecumênico das Igrejas, em Genebra, que chegou a financiar o ANC, era a época em que lá trabalhavam o militante brasileiro de esquerda Marcos Arruda e o educador Paulo Freire, enquanto no Brasil a Igreja Presbiteriana considera o Conselho Mundial de Igreja como uma espécie de anti-Cristo.
Faltou destacar igualmente no texto original que Margareth Tatcher justificava o apartheid dizendo “o poder branco evita que os negros briguem entre si”, que Israel furava o bloqueio ou embargo imposto pela ONU à Africa do Sul vendendo armas e comerciando normalmente com os boers brancos, enquanto os bancos suíços e uma importante associação comercial Suíça-África do Sul investia, negociava e mantinha contatos com o serviço secreto dos brancos do apartheid. Mandela, é bom não esquecer, apoiava os palestinos.
Mandela também considerava a pobreza tão grave como o racismo e, sem dúvida, se não estivesse doente nos seus últimos anos de vida, teria condenado a atual política econômica da União Européia, responsável por um aumento da pobreza e exclusão no velho continente.
Mandela, Luther King, Guevara e Gandhi todos grandes combatentes por um mundo mais justo.
Nota do autor – Uma coisa não entendi.
Ao decidir prestar sua homenagem a Nelson Mandela, a presidenta Dilma tomou uma decisão aparentemente generosa e convidou para irem com ela à África do Sul, os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor e FHC. Por que estes três se durante seus governos continuava existindo de maneira escancarada o apartheid economico e social no Brasil ? Fora a enorme e injustificável despesa para os cofres públicos, Dilma pecou por querer fazer uma desnecessária média.
Só Lula merecia esse convite. (Publicado originalmente no site Direto da Redação)
Rui Martins, jornalista, escritor, líder emigrante, correspondente em Genebra.
Fonte: http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/o-mandela-militante/668922/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20131211
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